quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Investigação no Boqueirão, segunda parte

Lopes e Linhares Detetives Associados
Ilustração de Fabiano Vianna

POLYANNA DIAS

Segunda-feira. Em Curitiba: chuva como de costume. No dia seguinte o Fúlvio ainda não chegou ao escritório. Batidas suaves na porta. Pelo vidro dava pra ver que era uma mulher. Abri.
            - Boa tarde.
            Uma morena muito bonita. Um metro e setenta e belos pares de peitos guardados por um sobretudo cor de vinho tinto. Ela estava molhada e eu guardei seu guarda-chuva. Saltos altos, bolsa de couro dessas marcas de mulher e bem maquiada para um dia de chuva. Mulheres... Ofereci-lhe uma cadeira.
            - Você deve ser o Detetive Linhares?
            Uma voz suave e penetrante como um belo oboé. Perguntou retirando o sobretudo e sentando-se.
            - Café?
            - Sem açúcar, por favor.
            Servi uma xícara de café e trouxe um cinzeiro para nós.
            - Sim. O que a trás aqui?
            (boa era a minha mãe que eu pedia um real e ela me dava dez)
            - Vou direto ao ponto. Você, como todo bom detetive, deve ter lido algo sobre os assassinatos no Boqueirão?
            Detesto ler jornais. Quando sei de alguma coisa é porque o Lufus me conta, ou porque algum canal de rádio da polícia noticiou alguma coisa. Mas não demonstrei ignorância.
            - Os dois policias que foram achados destroçados na beira do Rio Iguaçu, suponho.
            - Um deles era meu irmão...
            Humm... A coisa não está cheirando bem. Mas é trabalho.
            - ... e eu gostaria que você descobrisse quem fez isso com ele. Faça o preço que você quiser.
            - Como é seu nome?
            - Você pode me chamar de Poly, de Polyanna.
            Nome singelo, roupas elegantes, algumas jóias penduradas... Definitivamente ela não é do Boqueirão, mas reparou que eu a fitava.
            - Eu não sou do Boqueirão e coordeno duas das empresas de meu pai. Meu irmão era um sonhador e queria fazer justiça, limpar a cidade como vocês dizem. Nunca concordamos com isso, mas ele tinha um sonho... Enfim...
            Ela sabia que eu já estava a dez minutos lendo-a. Não me intimidei.
            - Me perdoe a indiscrição, mas você não tem, mesmo, cara de quem mora no Boqueirão.
            - Mas tenho um irmão que mora... morava, e quero que você solucione este problema para mim.
            BLAM! A porta se abriu como uma porteira em dia de rodeio. Lufus chegou.
            - Daê, Linhaça, tudo em cim... Opa. Desculpem-me a intromissão, mas não sabia que você estava acompanhado.
            - Lufus, cala a boca e senta. Essa é Dona Polyanna e ela quer que resolvamos um mistério no Boqueirão.
            - Pode me chamar apenas de Poly.
            Lufus pegou a mão da moça em sinal mais de galanteio do que de respeito e a beijou.
            - Muito prazer, Poly. Me chamam de Detetive Lopes, mas VOCÊ pode me chamar de Lufus.
            Era o que me faltava. Quatro da tarde, quase final de expediente, atrasado e bancando o fagueiro pra cima da mulher.
            - Ok, Lufinho. Puxe uma cadeira e vamos escutar a moça.
            O Fúlvio puxou uma cadeira e se ajeitou. Ela continuou a história.
            - Eu não sei nada além do que os jornais noticiaram. Espero que vocês possam saber e resolver este problema para a minha família. Papai está disposto a pagar o que for para dar um enterro digno para o meu irmão.
            - Bom, pelo que eu sei, a polícia não avançou muito nas investigações e os corpos foram para o IML.
            - Eles acharam os corpos na beira do Rio Iguaçu. Como não havia possibilidade de identificação, deixamos que o IML ficasse com os corpos para uma possível identificação dos assassinos.
            - Como ficou o corpo?
Perguntou o Lufus.
- Mas que pergunta idiota, Lufe.
Eu disse meio constrangido. O corpo tinha sido achado aos pedaços, com marcas que pareciam de mordidas. A polícia chegou a cogitar que algum bicho do zoológico havia fugido. Mas pelas fotos que eu vi por acaso, não há bichinhos desse porte no zoológico. Acharam até que algum estripador estava em ação, mas acho que não é o caso. Propus de irmos até lá.
- Com quem podemos falar da família, ou de alguém que viu o que aconteceu? Algum policial foi relatado para depor? Testemunhas?
- O que eu sei é que há um escritor de contos bizarros...
Eu já sabia de quem ela estava falando: Florestano Boaventura. Um velho conhecido da região. Alguns achavam que ele era louco, outros apenas que era um velho esquizofrênico que se escondia do mundo e escrevia coisas sobre lobisomens, vampiros, coisas bestiais e chupa-cabras. Pra mim, uma fonte segura do que estava acontecendo. Eu gostaria de conhecê-lo, afinal de contas, temos coisas em comum. Ele era escritor de uma revista de contos sujos. Eu tenho todas!
-... e que mora no meio da floresta, do Alto Uberaba. Talvez ele possa ajudar vocês. Ninguém tem coragem de chegar perto da casa dele. É muito escondida e dizem que tem um ar sombrio. Nenhum policial ousa chegar lá.
- Mas nós não somos policias, Dona. Somos detetives e isso nos faz bem diferentes desse tipos que estão por aí.
- Entendo, uma espécie de mercenários.
- Mercenários?
Indagou, Lufus, meio perplexo.
- Ô, Linhaça?! Mercenários?
- Sim. Do tipo que aprende como faz sendo policial por um tempo e depois tentando resolver as coisas do seu jeito. O que muitas vezes beira o bizarro.
Lufus levantou da cadeira puto.
- Olha aqui, Dona Polyanna, fique sabendo que somos nós os caras que resolvemos os casos mais difíceis da cidade, e que nem toda a força da polícia municipal reunida consegue fazê o trabalho que eu o meu parceiro fazemos. É ou não é, Linhaça?
- Se acalme Lufus, ela tem razão, por um lado.
- Razão? Qualé Linhaça? Bancando o vira-casaca só porque ela tem peitos e eu não?
- Haha! Não é só isso, Lufe.
(você também tem peitos)
- Você sabe que não temos regras e que gostamos de quebrar as que existem. Por um lado a Polyanna tem razão, mas não somos mercenários, como a senhorita nos chamou.
- Pode ser. Eu só estou aqui porque ninguém mais conseguiu resolver este caso e quero que vocês resolvam pra mim. Qual é o preço?
O Lufus já tinha até estufado o peito. Ele gosta de ouvir que só nós resolvemos as coisas por aqui.
- Bota um preço aí, Linhaça, e vâmo pegá esses safados que mexeram com a moça.
- Não mexeram comigo. Esquartejaram meu irmão, Detetive Lopes.
A calma com que ela falava do irmão era algo que me intrigava. Ninguém fala de um esquartejamento assim, como se acendesse e apagasse a luz do quarto.
- Tsca. Tô poco me lixando presses policias. Vamo lá pegá esses caras, Linhares. Bota o preço de uma vez e não esquece que tem alimentação, transporte, honorários, despesas extras e...
O Lopes saiu da sala falando e gesticulando, deve ter ido até a padoca tomar o café da tarde. Acalmei a moça e continuamos.
- Bom, o que ele quis dizer é que...
- Não me importa o que ele disse. O que eu quero é um enterro para o meu irmão e saber de uma vez quanto vamos desembolsar nessa empreitada.
Eu já estava começando a gostar da moça, mas ela queria botar um ponto final nesse papinho.
- Vamos começar com R$ 5.000,00. Todos os gastos terão as notas fiscais copiadas e enviadas para o seu escritório. Assinaremos um contrato quando o negócio já estiver pronto.
- Perfeito.
Ela meteu a mão em sua bolsa e sacou um maço de verdinhas que fez meu coração brilhar.
- Eu vou lhe dar R$ 8.000,00 adiantados. Se você precisar de mim estarei nesse telefone.
Sacou um porta cartões e me deu um:



Polyanna Dias Vicente
Diretora de Negócios
Dias Vicente Empreiteira LTDA



Dei o meu cartão. Bem mais humilde:


Detetive Linhares
Detetive



- Aguardo notícias.
E saiu.
- Muito bem. Eu ligo lhe passando o andamento...
E bateu a porta. Saiu como se não quisesse deixar sinais de sua passagem pelo escritório. Fui até a janela. Ela entrou em uma caminhonete preta pela porta do carona e arrancou. Eu fiquei ali mais uns minutos matutando.
- Porque tanto desinteresse no irmão? Espero que o Boaventura possa dar umas dicas do que está acontecendo.
Não conheço o Florestano, sou apenas um admirador da sua obra, mas terei muito prazer em conhecê-lo. O Lufus vai achar tudo isso uma merda, ele odeia essa história de gibis e monstros, acha coisa de débil-mental. Eu tenho uma queda por essas estórias e o Boaventura, de quebra, ainda vai me dar uns autógrafos, hehe.
Saí da janela e fui fazer uns contatos com uns amigos da polícia pra saber como foi o andamento, ou como andam as coisas pelo Boqueirão e adjacências. Pelo jeito a barra anda mais pesada do que eu imaginava naquele lugar. Assassinatos, tráfico de drogas, prostituição, isso é tudo muito normal praquele bairro. Acho que tem mais coisa por debaixo desse angu.
Liguei pra todos os caras que eu conhecia e peguei apenas nomes e referências de suspeitos, mas nada que pudesse dar uma pista mais concreta do que havia acontecido. O IML também não tinha informações boas, apenas que o que destroçou os dois policias era maior do que um leão, portanto, descartei a possibilidade de ser algum animal do zoológico. Mas deixaram que eu fosse ver o corpo. Marquei pra quarta-feira uma visitinha ao IML. Por enquanto, é esperar o Lufus voltar com o café e depois ir ver o tal do Florestano Boaventura. Vai ser legal.

(continua)

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