segunda-feira, 21 de maio de 2012

Comedor de Haxixe - parte 1



Havia um recado na porta do escritório quando cheguei. Um número de telefone. Liguei. Atendeu uma voz velha e feminina.
- Pois não.
- Meu nome é Detetive Linhares. Eu cheguei em meu escri...
- Sim. Fui eu quem deixou este número. Eu quero que o senhor apague uma pessoa.
Assim. Direta. Gostei.
- Preciso de alguns dados.
- Seu nome é Orlando Barreto. Tem 68 anos. Um metro e oitenta, noventa e seis quilos. É moreno e tem os olhos castanhos claros. Sai todos os dias de casa às nove da manhã para caminhar e retorna ao meio-dia para almoçar. Vai todas as noites em um bar na esquina da Saldanha Marinho com a Visconde do Rio Branco.
- Ok, ok, minha senhora. Vá com calma.
- Eu tenho R$ 15.000,00.
A voz da velha aos poucos estava se alterando. Quanto mais ela falava deste senhor, mais ela ia encorpando e tornando-se raivosa. Acho que eram casados e a querela era pessoal. E envolvia mais do que amor.
- Escuta, dona! A senhora quer que eu ‘pegue’ alguém, ou ‘apague’ alguém. Eu não sou assassino de aluguel!
- Ele é meu marido e...
- Eu vou lhe dar o telefone de uns caras que fazem servicinhos desse gênero e a senhora se acerta com eles.
- Ele mata pessoas.
- Que?
- É isso, detetive. Ele é um assassino.
Por uma certa ótica a história começou a ter um tom mais dramático. Melodramático.
- E a senhora já procurou a polícia.
- Ele é policial aposentado. Ninguém pode fazer nada. Ele era capitão do 8º Distrito.
O Leão. Conheço o cara. Uma lenda entre os policiais. Nunca perdeu um caso. Tem uma ficha ilibada, mas sempre ouvi falar que era um cara sujo. Se aposentou da polícia a um tempo. Uns dez anos, mais ou menos. Tinha fama de impiedoso. A marginália se borrava toda só de ouvir o nome do cara. Por um lado eu gostava dele, mas entendo o que a família deve pensar.E não estou nem aí.
- Ele sai todas as noites e volta no meio da madrugada quando eu já estou deitada. Faz um barulhão na garagem, toma um banho e vem deitar. Nunca reclamei desses hábitos, mas comecei a achar estranho e fui ver o que ele guardava na garagem. Eu tenho medo do que ele possa estar fazendo e queria que o senhor investigasse isso.
- O que a senhora encontrou na garagem?
- O senhor pode passar aqui em casa para verificar?
- Ok, madame. R$ 15.000,00 é uma grana boa. Eu vou ver o que está acontecendo.
Desligou.
- Pegar o Leão vai ser interessante. Assassino... Acho que esse cara tem um algo a mais. Vai ser legal. Hehe.
Ela me deu o endereço. Marcamos um horário no meio da noite. Fui até a biblioteca ver os jornais de dias anteriores pra ver se havia assassinatos estranhos ocorrendo pela cidade. Algo que me colocasse na cola do Leão.
Li tudo que havia dos últimos três meses e separei alguns crimes que me chamaram a atenção. Pelo que sempre ouvi falar, o Leão tinha um jeito peculiar de pegar suas vítimas: levava-as para um galpão afastado, interrogava-as e arrancava as vísceras. Sempre achei que fosse lenda, mas os corpos sempre sumiam. Ele era capitão, então sempre dava um jeito das coisas acontecerem do seu jeito.
Até agora eu não via um motivo concreto para pegar o cara, apenas os quinze mil que me segurariam por uns meses. Mas, comecei a ficar curioso e fui atrás do Leão. Li tudo sobre os assassinatos bizarros, anotei umas coisas, mas não me convenci de nada. Fui até o bar que ela tinha me dado o endereço. Muitas pessoas bebendo. Na sua maioria homens com mais de cinqüenta anos.
O bar era pequeno e oferecia algumas mesas do lado de fora, na calçada. Sentei numa dessas mesas, pedi um scotch, acendi um cigarro e fiquei fitando os caras pra ver se algum deles batia com a descrição do velho Leão.
- Mais um whisky, por favor.
- Uma empadinha de frango!
- Não, obrigado.
- Essa é a melhor empada da cidade.
- Ok, mas estou sem fome.
Uma hora e nada.
- Mais um whisky.
Uma hora e meia depois, vi descer de um Monza marrom, um cara de um metro e oitenta e blá blá blá: o Leão. As fotos que eu vi do cara não batiam exatamente com ele. Ele havia envelhecido um bocado pela aparência. Vestia calça jeans com tênis brancos e camisa pólo branca: típico. Entrou no bar e foi logo saudado por todos. Parecia ser a última lata de Coca do deserto.
- Salve, Leão. Novidade?
O cara do balcão, que aparentemente parecia ser o dono da bodega, o cumprimentou e foi logo perguntando da novidade. Eu sou meio paranóico e já achei que estavam falando de algum defunto.
- O de sempre.
Ele respondeu e foi logo se servindo de uma empada e de um copo de cerveja. Eu decidi ficar por ali. Queria ver até onde iam. Seguir o Leão, ou algum dos caras do bar. A velha ia ficar pro dia seguinte.
Mais algumas horas se passaram. Tomei mais algumas doses e mandei um pouco do pó mágico pra agüentar. O mundo já estava ficando colorido pra mim quando o Leão resolveu ir embora. Paguei minha conta e fui atrás do cara. Nada. Ele foi pra casa. Senti que aquela noite tinha sido em vão. Mas, como nem tudo na vida está perdido, vi pela janela a velha discutindo com ele. Trocaram algumas palavras em voz alta e a luz da janela se apagou. Não é muito do meu feitio, mas fui até a casa. Ver algumas janelas. Aparentemente tinham ido dormir. Forcei a porta da garagem: trancada. Olhei pela janela da garagem e vi dois armários, além do Monza e uma porta que levava pra dentro da casa. Consegui abrir a janela e pulei pra dentro da garagem.

(continua) 

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