Havia um recado na porta do
escritório quando cheguei. Um número de telefone. Liguei. Atendeu uma voz velha
e feminina.
- Pois não.
- Meu nome é Detetive Linhares.
Eu cheguei em meu escri...
- Sim. Fui eu quem deixou este
número. Eu quero que o senhor apague uma pessoa.
Assim. Direta. Gostei.
- Preciso de alguns dados.
- Seu nome é Orlando Barreto. Tem
68 anos. Um metro e oitenta, noventa e seis quilos. É moreno e tem os olhos
castanhos claros. Sai todos os dias de casa às nove da manhã para caminhar e
retorna ao meio-dia para almoçar. Vai todas as noites em um bar na esquina da
Saldanha Marinho com a Visconde do Rio Branco.
- Ok, ok, minha senhora. Vá com
calma.
- Eu tenho R$ 15.000,00.
A voz da velha aos poucos estava
se alterando. Quanto mais ela falava deste senhor, mais ela ia encorpando e
tornando-se raivosa. Acho que eram casados e a querela era pessoal. E envolvia
mais do que amor.
- Escuta, dona! A senhora quer
que eu ‘pegue’ alguém, ou ‘apague’ alguém. Eu não sou assassino de aluguel!
- Ele é meu marido e...
- Eu vou lhe dar o telefone de
uns caras que fazem servicinhos desse gênero e a senhora se acerta com eles.
- Ele mata pessoas.
- Que?
- É isso, detetive. Ele é um
assassino.
Por uma certa ótica a história
começou a ter um tom mais dramático. Melodramático.
- E a senhora já procurou a
polícia.
- Ele é policial aposentado.
Ninguém pode fazer nada. Ele era capitão do 8º Distrito.
O Leão. Conheço o cara. Uma lenda
entre os policiais. Nunca perdeu um caso. Tem uma ficha ilibada, mas sempre
ouvi falar que era um cara sujo. Se aposentou da polícia a um tempo. Uns dez
anos, mais ou menos. Tinha fama de impiedoso. A marginália se borrava toda só
de ouvir o nome do cara. Por um lado eu gostava dele, mas entendo o que a
família deve pensar.E não estou nem aí.
- Ele sai todas as noites e volta
no meio da madrugada quando eu já estou deitada. Faz um barulhão na garagem,
toma um banho e vem deitar. Nunca reclamei desses hábitos, mas comecei a achar
estranho e fui ver o que ele guardava na garagem. Eu tenho medo do que ele
possa estar fazendo e queria que o senhor investigasse isso.
- O que a senhora encontrou na
garagem?
- O senhor pode passar aqui em
casa para verificar?
- Ok, madame. R$ 15.000,00 é uma
grana boa. Eu vou ver o que está acontecendo.
Desligou.
- Pegar o Leão vai ser
interessante. Assassino... Acho que esse cara tem um algo a mais. Vai ser
legal. Hehe.
Ela me deu o endereço. Marcamos
um horário no meio da noite. Fui até a biblioteca ver os jornais de dias
anteriores pra ver se havia assassinatos estranhos ocorrendo pela cidade. Algo
que me colocasse na cola do Leão.
Li tudo que havia dos últimos
três meses e separei alguns crimes que me chamaram a atenção. Pelo que sempre
ouvi falar, o Leão tinha um jeito peculiar de pegar suas vítimas: levava-as para
um galpão afastado, interrogava-as e arrancava as vísceras. Sempre achei que
fosse lenda, mas os corpos sempre sumiam. Ele era capitão, então sempre dava um
jeito das coisas acontecerem do seu jeito.
Até agora eu não via um motivo
concreto para pegar o cara, apenas os quinze mil que me segurariam por uns
meses. Mas, comecei a ficar curioso e fui atrás do Leão. Li tudo sobre os
assassinatos bizarros, anotei umas coisas, mas não me convenci de nada. Fui até
o bar que ela tinha me dado o endereço. Muitas pessoas bebendo. Na sua maioria
homens com mais de cinqüenta anos.
O bar era pequeno e oferecia
algumas mesas do lado de fora, na calçada. Sentei numa dessas mesas, pedi um scotch, acendi um cigarro e fiquei
fitando os caras pra ver se algum deles batia com a descrição do velho Leão.
- Mais um whisky, por favor.
- Uma empadinha de frango!
- Não, obrigado.
- Essa é a melhor empada da
cidade.
- Ok, mas estou sem fome.
Uma hora e nada.
- Mais um whisky.
Uma hora e meia depois, vi descer
de um Monza marrom, um cara de um metro e oitenta e blá blá blá: o Leão. As
fotos que eu vi do cara não batiam exatamente com ele. Ele havia envelhecido um
bocado pela aparência. Vestia calça jeans com tênis brancos e camisa pólo
branca: típico. Entrou no bar e foi logo saudado por todos. Parecia ser a
última lata de Coca do deserto.
- Salve, Leão. Novidade?
O cara do balcão, que
aparentemente parecia ser o dono da bodega, o cumprimentou e foi logo
perguntando da novidade. Eu sou meio paranóico e já achei que estavam falando
de algum defunto.
- O de sempre.
Ele respondeu e foi logo se
servindo de uma empada e de um copo de cerveja. Eu decidi ficar por ali. Queria
ver até onde iam. Seguir o Leão, ou algum dos caras do bar. A velha ia ficar
pro dia seguinte.
Mais algumas horas se passaram.
Tomei mais algumas doses e mandei um pouco do pó mágico pra agüentar. O mundo
já estava ficando colorido pra mim quando o Leão resolveu ir embora. Paguei
minha conta e fui atrás do cara. Nada. Ele foi pra casa. Senti que aquela noite
tinha sido em vão. Mas, como nem tudo na vida está perdido, vi pela janela a
velha discutindo com ele. Trocaram algumas palavras em voz alta e a luz da
janela se apagou. Não é muito do meu feitio, mas fui até a casa. Ver algumas janelas. Aparentemente tinham ido dormir. Forcei a porta da garagem:
trancada. Olhei pela janela da garagem e vi dois armários, além do Monza e uma
porta que levava pra dentro da casa. Consegui abrir a janela e pulei pra dentro
da garagem.
(continua)
Gostei; e fiquei curioso... Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirobrigado, ney.
ResponderExcluirsegunda que vem sai a continuação do texto.
um abraço,
linhares.