quinta-feira, 8 de março de 2012

Investigação no Boqueirão, quinta parte


Ilustração de Daniel Gonçalves


A BESTA ACORDA

Subimos até a sala para terminar o charuto do começo da noite.
- Você, pelo jeito, não gosta muito de luz.
- Não nos damos muito bem com a claridade. Outro café?
- Por favor.
Estávamos nos tornando amigos, e isso me interessava. Boaventura perguntou, enquanto servia mais uma caneca de café.
- Com relação ao assassinato dos dois policiais, Linhares, pode deixar comigo que eu dou um jeito nisso.
- Entendo e aprovo a sua ajuda, mas e a Polyanna?
- Eu vou lhe conseguir umas fotos, uns documentos.
- Material forjado?
- De jeito nenhum. Com quem você acha que está lidando, Detetive?
- Não falei por mal, Man, mas é que recebemos uma grana boa e acho que temos de dar algumas satisfações a nossa cliente.
- Eu entendo. Mas preciso que você entenda uma coisa: não é um cara, simplesmente, que estripou os policiais. É um lobo.
- Pois é, depois de ler um pedaço do seu livro e ver o que aconteceu com o Lufus eu já imaginava algo do gênero.
- Então você entende que não poderá caçá-lo?
- Por um lado, sim...
- E pelo outro também!
Disse, num tom de voz mais agressivo, como se tentasse me intimidar. E continuou, um pouco mais ameno.
- Ele, antes de tudo, é um irmão de maldição, você me entende?
- E como você vai resolver isso?
- Acredito que não podemos revelar à sua cliente que lobisomens estão atacando pessoas no Boqueirão, assim como, não poderei incriminar um irmão. O que eu proponho é que você volte e converse com ela. Diga que as investigações estão um pouco lentas, que você conversou com o Florestano, e que ele sabe quem fez isso. Isso vai nos dar tempo até encontrarmos a solução adequada para o crime.
- Certo. Enquanto isso você cuida do Lufe.
- Eu estou perseguindo um cara chamado Stelinha Tranca-Rua há meses, e acho que ele vai vir a calhar com esse assassinato. Ele caça michês próximo ao terminal. A polícia ainda não resolveu o crime. Acho que podemos colocá-lo no jogo.
- Isso seria manipular as provas.
- Se você preferir colocar na mídia que lobisomens andam espreitando a zona oeste de Curitiba...
- Já entendi, Flores, já entendi.
Levantei e fui levar a caneca de café na pia.
- Eu vou conversar com a Polyanna. Amanhã pela noite volto aqui.
- Pegue. Estas são cópias das chaves das portas aqui de casa. Tente não mexer com o Lopes. Ele pode trucidá-lo caso saia da jaula.
- Cuide bem dele, Flores. Amanhã eu volto.
- Tenha cuidado ao andar por aqui de noite. Ainda estamos em lua cheia.
- Ainda tenho seis balas de prata. E eu sei me cuidar sozinho.
Saí da casa do Boaventura. O carro estava com as portas abertas. Não tinha me lembrado de trancá-lo, mas pelo visto, ninguém ousa chegar perto da casa do Florestano, a não ser os próprios “irmãos”, como ele mesmo gosta de chamar essas criaturas que rondam essa região pelas noites de lua cheia.
Essa história de matador de michês, talvez venha a calhar. Terei de ser cauteloso com a Dona Polyanna. Qualquer movimento em falso e tudo pode vir à tona. Não quero expor o Boaventura, nem o Lufus.
- O que me intriga é esse tempo de espera entre uma lua cheia e outra. Não sei o que vai acontecer com o Lufus.
Entrei no carro e fui até o escritório. Mais café, cigarros, e um relatório para entregar à Polyanna pela manhã.
- Espero que Florestano saiba o que está fazendo. Metade da grana irá para credores, e não teremos donde tirar dinheiro caso o plano do meu “amigo” dê errado. E ainda por cima, temos de ir até Guaíra rever o Cézinha Maluco. Vou conversar com o Florestano sobre esse cara, talvez ele não ligue de ir até Guaíra conosco e, quem sabe, até dar uma “patinha” com aqueles safados.
Fechei o arquivo e fui dormir. Ali mesmo, no sofá.
Acordei com o telefone tocando. 08:43 da manhã.
- Merda! Quem será a essa hora? Lopes e Linhares, bom dia.
- Olá, Detetive.
A voz suave e amena da Polyanna. Bom para se começar o dia. Saí do mausoléu.
- Bom dia, Dona Polya...
- Apenas Polyanna, por favor.
- Claro, Polyanna.
- Como andam as investigações?
- Consegui algo de concreto com o Florestano Boaventura. Fomos entrevistá-lo noite passada e ele nos deu ótimas pistas sobre o assassino.
- Por favor...
- Ele nos contou que a alguns meses um rapaz anda perseguindo michês próximo ao terminal do Boqueirão, e que acha que os dois policias andaram se envolvendo com esse matador...
- Matador? Não era apenas um rapaz?
- Sim. Ele anda estripando michês no Boqueirão e a polícia não consegue capturá-lo.
- Detetive, desculpe interrompê-lo, mas, tenho contato em todas as polícias e não soube de nada disso. O que você tem a me dizer?
- Acredite em mim, Polyanna, o Florestano sabe o que está dizendo. Se a polícia local ainda não chegou nesse cara, e nem sabe a cara que ele tem, não é problema nosso. Nós vamos capturá-lo!
- E posso saber como, se ninguém mais sabe disso?
- Eu preparei um relatório para você. Estou lhe enviando agora por fax.
- Ótimo. Conversamos depois.
E desligou.
- Tchau, para a senhora também.
Acho que ela não engoliu a história de estripador, mas depois de ler o relatório, talvez acredite. Preciso das fotos e dos documentos que o Florestano falou que ia arranjar, ou de algo que prove que esse tal de Tranca-Rua existe e que está estripando pessoas pelo Boqueirão.
Relaxei um pouco. A conversa com a Polyanna já tinha andado e eu ainda tinha o dia inteiro pela frente. Resolvi ler mais algumas coisas sobre lobisomens no livro que o Flores me deu. Adormeci.
- Aê, Linhaça! Levanta seu animal! Vai passá o dia inteiro dormindo?
- Qualé, Lufe? Tá falando com quem? Que tom é esse?
- Cara! Não desbaratina a conversa! Você sabe do que eu tô falando!
- Que sei do que você tá falando? Você tá louco, Lufe?
- E não me chama de Lufe! Só a Mamá me chama de Lufe! Donde cê tirô a idéia que cê pode me chama de Lufe também?
O Lufus estava muito estranho. Tudo estava muito estranho. Eu não estava entendendo qual era a dele, mas não estava disposto a levar desaforo pra casa.
- Seguinte, Lufus. Você deve estar pirando em falar comigo nesse tom. Qualé a tua?
- Olha aqui, Linhares, olha aqui essa foto, bróder!
Ele me estendeu uma foto da irmã da Mamá. Toda quebrada. Devia ter levado umas boas porradas.
- Cacete, Lufus! O que aconteceu com a Larissa?
- Hahahahahaha!
Riu diabolicamente, como eu nunca o tinha visto rir. Era como se uma legião de demônios tivessem possuído seu corpo de repente. Seus olhos estavam profundos e infinitos, mas ao mesmo tempo, cheios de fúria e raiva.
- Ela tá toda quebrada, tá vendo, Linhaça?
- Tô, mas o que você quer com isso? Vâmo pegá o safado que fez isso com ela!
E num movimento súbito e violento o Lufus me agarrou pelo pescoço. Suas mãos tinham se transformado em garras e seu corpo estava todo coberto de pêlos. Sua mandíbula tinha arrebentado a ossatura da boca e seus dentes estavam três vezes maiores. Ele estava três vezes maior. O Lufus, agora, fazia jus ao apelido.
Ele me arremessou pro outro lado do escritório. Eu bati com as costas no nosso quadro do churrasco que se espatifou no chão.
- Merda! Ele se transformou na fera! Preciso contatar o Florestano. Não posso sacar a Jéssica.
            Pensei e levantei tentando acalmá-lo.
            - Calma, Lufe! Cê tá se transformando.
            - Não me chama de Lufe!!!
            Disse, berrando como um animal selvagem.
            - A Lalá tá toda quebrada e eu vi você batendo nela, seu canalha! Ele era minha irmãzinha! Agora eu vou ter de bater em você, tá ligado, bróder?
            - Acho que isso não vai acontecer, Lufus. Cê sabe que se eu sacar a Jéssi...
E num movimento extremamente rápido para os olhos humanos ele pulou em cima de mim travando minhas mãos e pernas. Ele devia estar pesando uns quatrocentos quilos.
Babava na minha cara, falando lentamente.
- Agora, o Lufe vai batê em você, maninho.
Com as pontas dos dedos consegui chegar na Jéssica. Ele vai se arrepender de babar na minha cara, infelizmente: ou sou eu, ou é ele!
Suas patas pressionavam meus braços que iriam quebrar em segundos. Eu tinha de ser rápido. Ele abriu sua enorme mandíbula ao mesmo tempo em que eu consegui alcançar o gatilho da Jéssica. Nos movimentamos na mesma velocidade e tempo.
VUSSSHHH!!!
BAMMM!!!
Abriu-se um clarão no escritório. O barulho pôde ser ouvido a quilômetros de distância. Levantei num pulo. Já era final de tarde. O telefone berrava.
- Alô?!
- Linhares! Corra aqui pra casa!
Era a voz do Florestano. Vesti meu casaco e saí voando do escritório.
- Merda! Acho que aconteceu alguma coisa com o Lufe.

(continua)

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