Derruba Delinqüente
Três pf’s, por favor!
-
Conversei com o Flores sobre Guaíra.
-
E ele?
-
Disse que tínhamos de esperar essa lua cheia acabar, o que é hoje, e nos
prepararmos para viajar.
-
Bom! Não agüento mais ficá aqui.
-
Ele falou que tem que ver um cara em Guaíra. Não quis entrar em detalhes, mas ele
também quer ir pra lá.
-
Ótimo! O cara sabe controlá a fera e isso vai nos ajudá a acabá cô bando do
Cezinha Maluco.
-
Falei com o Azevedo.
-
E ele?
-
Disse que tudo bem.
-
Quantas?
-
Quatro pistolas Beretta 9mm, um rifle 7,62 sniper, e uma 12 cano serrado, do
jeito que você gosta, hehe.
-
Massa! E munição?
-
Quantas caixas quisermos, mais facas e acessórios alhures de brinde.
-
Prata?
-
Não sabe quem faz, nem tem noção de que isso possa existir. Diz que já ouviu
falar, mas são projéteis muito frágeis e caros, então, ninguém procura.
-
E como você vai fazer?
-
Vou fazer.
-
E prata pra tudo isso?
-
Sei lá. A gente se vira. O Flores falou que vamos na próxima lua cheia, senão
não temos chance contra aqueles idiotas. Temos um tempinho pra fabricar esses
projéteis.
Boaventura
entrou na sala.
-
Bom dia, garotos.
O
Lufus no seu mal-humor típico.
-
Florestano, você tem que me tirá daqui, cacete. Essa porra de jaula tá me
deixando louco.
-
Agüenta aí, Grandão. Hoje é a última noite de lua cheia. Eu preciso resolver
duas coisinhas durante os vinte dias que se seguem até a próxima lua, então,
partimos.
-
Beleza. Ô Linhaça, faz um cafezinho pro papai.
-
Hehe. Papai é boa.
Aquele
noite foi a mais sem graça de todas. Lufus se contorceu um pouco, deu uns
gritos; Flores saiu pra caçar; eu fiquei fumando e tomando café a noite
inteira, enfim, o troço estava se tornando chato demais pra mim. Estávamos de
novo parados, esperando...
-
Mas, esperando o que?
Entrei
na jaula do Lufus. O Flores veio atrás de mim.
-
Vambora, Lufe. Ontem foi o último dia do teu período fértil. Isso aqui já deu
pro saco.
-
Ei, Linhares. Cuidado! A última lua foi ontem. Você tem de ter mais cuidado pra
lidar com o Lufus.
-
Imagina. Ele é que tem que ter cuidado comigo.
O
Lufus já estava de pé. Estiquei suas roupas. Ele se vestiu. Ainda um pouco baleado
das noites fatigantes dentro da jaula., mas conseguiu caminhar até o Inércia.
-
E agora, Linhaça?
-
Agora, vamos arranjar prata pra enchermos as armas e esperar a próxima lua
cheia. Acho que o Flores vai querer trocar umas idéias com você.
-
Sobre?
-
Sobre a Fera. Como que faz, enfim, os cachorrinhos são vocês, hehe.
-
Engraçadão. Vâmo pegá umas tortinhas na padóca?
-
Yes, man.
E
nessas quase três semanas ficamos apenas nos preparando pra ir pra Guaíra. O
Flores dando aulas pro Lufus de “Etiqueta Básica para Lobisomens” e eu
fabricando os projéteis, bebendo e andando pela noite mais perdido que bala em
boca de banguela.
Num
dos dias, o Flores conseguiu algumas fotos do Tranca-Rua pra mim. Fui levá-las
para Polyanna. Ela adorou. Acreditou na historinha pra boi dormir do Florestano
e pagou mais R$ 5.000,00 pelo trabalho. Eu aceitei. Comprar toda a prata tinha
zerado o Banco Central lá do escritório.
Mas,
antes que eu enlouquecesse, os vinte dias passaram.
-
Linhaça, cê tá ligado no Cezinha Maluco, não é?
-
Você me falou a história toda.
-
Pois é, mas eu não te falei sobre umas paradas.
-
O que?
-
A gente vai pegar os caras num bar chamado Big Bróder.
-
Cacete. Big Bróder...
-
Então... daí que o dono desse bar é o tal de Cezinha Maluco, um doidão viciado
em batata-doce.
-
Que?
-
Pois é, batata-doce. O cara é doido por batata-doce. Quando eu descobri, também
não botei fé, mas depois me acostumei. O animal puxa uma batata a cada dez
minutos e fica roendo na tua frente. Coisa estranha. Mas, enfim, ele também usa
umas paradas ilícitas dá pra ver na cara, mas a pira do coitado é pela tal da
batata-doce.
-
Certo, nós estamos atrás de um cara viciado em batata-doce... E o que mais?
A
essa altura o Fúlvio já estava de pé no meio da sala com os braços abertos
gesticulando mais que minhoca no anzol, empolgadíssimo com a estória de Guaíra.
Porque vejam, o Fúlvio é um cara de um metro e noventa e cento e quarenta
quilos; polaco, barbudo e de olhos verdes, e que gosta de uma boa briga. Quando
ele se empolga pra contar uma estória, o que ele faz muito bem, diga-se de
passagem, ele precisa de espaço, muito espaço, do contrário algumas coisas
ficam em risco apenas de existirem perto dele. Apesar disso, é um cara muito na
paz e meigo - quando não está batendo em alguém - uma espécie de Obelix, por
isso eu o chamo carinhosamente de Lufus, por causa da aparência de lobo e do
seu comportamento dócil. Mas, nesse
caso, estamos no escritório, e por aqui temos apenas a mesa com duas cadeiras à
frente, um sofá de dois lugares e dois armários que servem de arquivos, além do
computador na mesa com algumas bugigangas típicas: papéis, canetas e materiais
de escritório. Na parede, dois quadros, um que estão eu e o Fúlvio num
churrasco com amigos e a lua de fundo, e outro que são milhares de fotos 3X4 de
nossos amigos queridos, e não muito queridos também, que vamos coletando com o
passar do tempo. Conforme os nossos amigos vão falecendo, vamos pintando as
fotos dos falecidos de amarelo, bem como anexando fotos de novos amigos, ou dos
filhos dos amigos que vão nascendo, porque eu e o Fúlvio, pelo tipo de vida que
levamos, acho que não deixaremos descendentes sobre a terra, mas isso é outra
história.
-
Fechado, Linhaça. Vô pegá uns cafés na padóca da esquina e te encontro na
viatura.
O
Fúlvio não encostou no café que eu fiz e saiu correndo.
-
Aproveita e compra aquelas tortinhas de requeijão e umas cocas em lata.
-
Pode deixá!
Gritou
lá da porta do elevador e sumiu. Realmente o cheiro do meu café estava de
espantar baratas. Deixei o café sobre a mesa, meti o capote, a cobertura,
Jéssica, minha 45 de estimação, uma pistola .45 ACP de 7 + 1 cartuchos
(só por curiosidade, esse calibre foi
utilizado na famosa Thompson Tommy Gun, conhecida por estar associada à Máfia americana e
ser usada por Al
Capone)
caneta
e papel pras anotações de praxe, máquina fotográfica...
(será que eu conferi tudo...)
documentos,
chave da viatura, grana, fechar as janelas, desligar o gás, cigarros... Tudo
pronto. Desci.
Estava
emocionado em poder fazer algo emocionante, contando com hoje já fazia tempo
demais que nada acontecia no escritório. Na verdade, meter a gente nessa
enrascada era só uma forma de sair da mesmice do escritório e de quebra
resolver essa querela em
Guaíra. Porque eu não sei porque, mas eu sentia o cheiro da
tal Katrina, a moça do bilhete, envolvida com alguma coisa em Guaíra, não sei o
motivo, acho que é o instinto voltando a funcionar depois dessas férias
forçadas.
Fúlvio
já estava encostado na viatura devorando um pacotinho de tortinhas e dois cafés
grandes quando eu cheguei.
-
O teu tá no carro.
-
Beleza. Então vamos direto sem escalas. Quero chegar lá antes de anoitecer.
-
Como? É longe pra burro.
-
Você não confia no Inércia?
-
Não!
Um
não seco e contundente, como se não soubesse que a viatura era a última coisa
em carros de polícia. Mas, no fundo, isso era inveja, porque a viatura era
minha, presente de meu pai quando ele faleceu. Meus irmãos ficaram com as
posses mais financeiramente rentáveis e eu quis apenas o Santanão 93. Uma
Santana Quantum 2.0 semi-nova, como dizia o Fúlvio, “Beeem semi-nova”, mas era
minha e eu gostava dela. Toda adaptada para situações de risco: coldres com
armas escondidas no teto, nas portas, no porta-malas; luzes de xenônio na
frente caso precisássemos cegar alguém na estrada, ou não sermos identificados;
motorzão mexido (tá certo que bebia mais que nós dois juntos, mas tinha 40
cavalos a mais e andava que era o demônio em dia de procissão); sem bancos
traseiros pra aumentar a mala do carro; comunicação via satélite com todas as
polícias e escritórios de detetives do Brasil, e é claro, frigobar anexo.
-
Vambora, Lufus.
-
Ok, Linhaça. Vâmo nessa!
Dei
a partida no Inércia e fomos. Passamos no Alto Uberaba e pegamos o Flores, que
já nos esperava de malinha pronta na frente de casa. Ficamos em silêncio por
uns trinta minutos, enquanto terminávamos de tomar o café da manhã.
-
Maravilha esse negocinho da padaria. Será que tem essas tortinhas pra vender em
Guaíra?
Disse
o Flores empolgado com tortinha de requeijão da Dona Marta.
-
Lufus, pega a Derruba Delinqüente aí.
-
Genial, Linhaça.
-
O que é isso?
-
Fica tranqüilo, Flores. Relaxa.
Lufus
abriu o porta-luvas e entre papel-higiênico, manual do carro, cigarros e mais
algumas quinquilharias, achou uma fitinha cassete. Abriu um sorrisão.
-
Isso aqui sim é música pros meus ouvidos.
E
colocou a fitinha pra tocar. (O cara
entrou bem torto no Torto Bar...) Muito rock, country, músicos de fora e da
cidade também, e uma música, que é a preferida do Lufus, e que dá nome a
fitinha: Derruba Delinqüente. (...mas nem
um pouco exemplar...) Gosto desse som, mas o Lufus acha que essa música
devia tocar toda vez que ele estivesse matando (...mais de trinta mortes na ficha...), torturando ou quebrando
alguém, uma espécie de fundo musical para as Entrevistas. (...mata e depois quer estuprar...) Esse é o jeitinho carinhoso com
que tratamos nossos inimigos depois de capturados: sempre dizemos que esses
púlias (...pelo jeito o sujeito era mesmo
bom de briga...) têm a oportunidade de ser entrevistados por nós, e que nós
como bons entrevistadores que somos, devemos tratá-los como manda o manual de
bons costumes do nosso escritório de detetives. (...orra, aquilo parecia um filme do Tarantino...) É que a coisa
funciona mais ou menos assim: primeiro uns tabefes básicos na altura das pernas
e da barriga, (...sacou um copo
americano, botou seis dedo do litrão...) que é pra ver se o cara amolece.
Nessa hora nem queremos que o cara fale alguma coisa, e se falar, logo dizemos
que é mentira, que ele está enrolando, e que quer parar de apanhar muito cedo.
(...“esse bar é pequeno demais pra nós dois”...)
Então, continuamos. O nível das pancadas começa a aumentar, poucos tapas,
porém, tapas bonitos e certeiros. (...o
malvado pistoleiro deu um gole para o santo...) Começam a aparecer coisas
como fogo em algumas partes do corpo, não aquela historinha de apagar bitucas
de cigarros, igual nos filmes que a gente vê por aí, (...espremeu a cara toda, caiu no chão de costas...) o esquema é
outro, primeiro, você põe o cara deitado e tira a camisa dele – se ele já não
estiver de camisa, óbvio – , e depois você espalha pelo peito do safado um
pouco de mel e põe umas formiguinhas que tem por aqui, na beira do rio Iguaçu –
umas chapuletas de umas formigas que se deixar devoram o cara em poucas
horas. Cada picada é uma descarga
elétrica. (...derruba delinqüente era o
nome da aguardente.) No começo parece que o indivíduo levou um choque, com
o tempo começa a arder e aos pouquinhos vai ardendo cada vez mais como se
houvesse um fogo de dentro pra fora do peito. Olha, se o cara não falar nessa
hora tudo bem, não tem problema, quem está queimando é ele! Daí, temos de
partir para outras técnicas mais divertidas e apelativas como por exemplo
deixar o Lufus pisar na cabeça do cara por alguns minutos. Isso também
funciona, mas não tem a cara do nosso escritório, portanto, não fazemos muito.
-
Porra Lufus, essa música já tocou três vezes!
O
Flores já estava chateado.
-
É que eu tava aqui pensando na nossa última visita ao Torto Bar.
-
Hehe!
Eu
sorri, sarcasticamente. Aquele dia tinha sido interessante.
-
Escuta só, Flores.
-
O cara tava bem locão, lá no Torto.
-
O Lufus saiu do banheiro e foi continuar sua sinuquinha. Eu estava, como de
costume, encostado na ponta do balcão perto da porta apenas observando e
botando o cérebro pra funcionar. Saquei de canto de olho que estava rolando
alguma merda com o Lufus. Ele precisava dar uma tacada e um cara no balcão não
estava dando a mínima pros seus pedidos de licença. O Lufus é um cara educado,
um gentleman, mas o babaca não quis
dar licença.
-
Acho aquele bar muito apertado.
-
Mas o bolinho de carne é bom pra caralho!
-
Mas, vão uns manés lá. Não gosto de uns caras que aparecem por lá. Cambada de
safados.
-
A gente podia na volta de Guaíra passá lá e quebrá a boca de todos eles. O que
você acha Linhaça?
-
Acho que devíamos Entrevistar todos eles juntos. Uma espécie de A Grande
Entrevista.
-
Hihi, genial, Linhaça.
-
Então o Lufus virou pro cara e disse: “opa, compadre, você me dá uma
licencinha?”, o cara nem se mexeu. Fiquei olhando pra ele. (...parecendo um orangotango...) Eu sei como
o Lufus é. Ele agüentou mais um pouco e disse de novo “amigo, você me dá um
espacinho só preu dá uma tacada aqui rapidinha?”. O safado teve a petulância e
a pachorra de olhar por cima do ombro e dizer “que?”. Pronto. Daí ele não
agüentou. (...na verdade era um ser
humano...) Quando o cara disse “que”, e um “que” sórdido, num tom de desdém
e pirraça deu pra ver o sangue do Lufus ferver porque, porra , o fato é que
estávamos na boa dentro do bar, tomando uns drinks, vendo a meninada, batendo
uma sinuquinha e, de repente, vem um babaca desse arranjar confusão, e logo com
a gente? È, o cara que bancou o idiotinha com ele, agora vai ter de segurar as
feras. (...deu um tapa no balcão...)
De bate pronto o Lufus já meteu a ponta do taco na boca do estômago do corno. O
cretino baixou a cabeça com as mãos na barriga e Lufus ergueu ele no socão de
baixo pra cima, (...chamou o garçom,
deixa de lenga-lenga e sirva logo a minha pinga...) aí ele me olhou e
pensou “Esse já era. Agora deve ter uns vinte trogloditas atrás de mim prontos
pra me quebrar. Então quando eu virar talvez eu leve uma , mas daí eu vô
dechavá esses púlias”. (...três pipocos
para o alto espantou as raparigas...) Ele tinha razão. Atrás dele já vinham
mais três idiotas. Catei o taco que estava encostado no balcão e gritei
“Abaixa!”, e mandei o taco na fuça do primeiro da fila, o que deu tempo do
Lufus se virar agaixado e dar uma rasteira no segundo que caiu de boca na mesa
de sinuca, enquanto o terceiro parou, pensou melhor e pegou uma garrafa de
cerveja do balcão. Como o Lufus estava agaixado socando o cara que espatifou a
cara na mesa ele achou que podia vir pra cima de mim. Esse cretino deve ter
pensado “Vou pegar o menorzinho ali”. Coitado! Ainda consegui me abaixar e ver
a garrafa explodir no cara que tava atrás de mim. “Há! Eu sou muito phóda”,
pensei rapidinho, (...um disse corra, o
outro saiu de fino...) como quem não quer nada, mas sem perder a briga de
vista, estética da gracinha, você sabe como é. Nisso, veio um cara por cima da
mesa pulando em cima de mim. “Que mané”, joguei o cara contra a geladeira de
refri que fica do lado de fora do balcão. (...o
malvado pistoleiro deu um gole para o santo...) A geladeira espatifou em
três e o cara desmaiou. “Menos um”. Então, levei uma cadeirada nas costas, isso
doeu um pouco, mas não o suficiente pro cara que me deu a cadeirada conseguir
fugir. (...escorregou pela goela a diaba
da amarela...) Ele tentou recuar pra sair do bar, mas como aquela pocilga é
minúscula e tava rolando um quebra-pau dos infernos o cara ficou travado entre
eu e a mesa de sinuca. Aí eu não perdoei. Parei na frente do cara e fiquei
olhando no fundo dos seus olhos, como se tentasse hipnotizá-lo. O cara também
ficou me olhando. Esse foi o tempo suficiente pro Lufus pegar o cara pelos culhões
e pelo pescoço e arremessar o cara pra fora do bar onde uma platéia atenta
vibrava a cada golpe. O mané rolou no chão até o meio da rua e saiu correndo
gritando alguma coisa que tinha a ver com retaliação. O Lufus até esboçou
correr atrás do cara, mas eu o contive. Até achei que a pancadaria tinha
acabado. Mas do outro lado da rua, quatro caras com pedaços de pau se armavam
pra vir pra cima da gente. Um dos quebrados estava atrás de um desses idiotas.
Provavelmente foi chamar o irmão mais velho, “Que menininha”, pensei. O Lufus
arregaçou a manga, estralou o pescoço e foi andando em direção aos caras. Sem
que ninguém visse catei duas bolas de sinuca. O Lufus já tinha se largado pra
cima dos quatro quando mandei uma bolaça na boca do cara da esquerda, que provavelmente
seria o cara que tentaria dar a volta e atacar o Lufus pelas costas. “Esse já
era”, pensei. Eu tinha mais uma tacada pra dar e não gostaria de errar. Faltam
três. Como os três estavam se estapeando em roda com o Lufus, ficava difícil de
mirar. “Droga. Não vai dar certo”, e saí correndo. Pulei por cima do Lufus que
nessa hora estava de costas pra mim e voei com o pé no peito de um dos
cretinos. Ele voou contra uma porta de ferro de uma pequena distribuidora de
bebidas e arrombou o bar. Começou a tocar o alarme. O bar inteiro debandou.
Ficaram apenas o cara que arrombou o bar, eu, o Lufus, e um cara que ele
segurava pelas pernas. Olhei pro Lufus e ele pensou, “Esse foi o que eu tive
mais gosto de socar. A cara de medo do cara começou a me alimentar o espírito,
sabe como é, né Linhaça? Parecia que tinha uma besta crescendo dentro de mim,
sei lá, tipo um lobisomem, tá entendendo?”, então eu falei, “Aham, um lobisomem
albino”, e ele respondeu, “Hahaha! Muito boa essa, Linhaça! Isso mesmo um
lobisomem albino. Eu já sentia as minhas presas crescendo e o meu corpo
triplicando e tamanho. Eu só queria matar. (...mais
de trinta morte nas costas...) Era isso que se passava dentro de mim: matar
e depois matar e depois matar e matar mais um pouco só pra relaxar depois de
matar pra cacete”. Mas não matamos ninguém. Apenas demos uma liçãozinha básica
naqueles púlias. Aí, começamos a voltar pro escritório, que é mais perto do que
a casa. Minhas costas doíam um pouco. O Lufus tinha um corte na sobrancelha.
-Pegamos
os caras, hein Linhaça?
-
Hehe. Esses canalhas não voltam aqui tão cedo.
-
Você tava meio estranho quando atravessou a rua.
-
Sei lá, Linhaça, senti meu corpo formigando. Eu queria quebrar os caras em
setecentas partes. Catar o cara pelo pescoço, jogar na parede, sei lá, entende?
Apaguei. Quando eu peguei o último pelas pernas eu... daí eu não sei mais o que
eu fiz, não consigo lembrar. (...só o
Magrão estacou com as veia saltada nos óio de raiva...) Isso foi o mais
estranho, porque aos pouquinhos eu fui perdendo a consciência, tem coisas que
eu lembro da briga e tem coisas que não.
-
Humm... Isso é estranho. Deixa pra lá. A gente já tinha tomado umas mesmo. Eu
também não lembro de algumas coisas, mas acho que tem há ver com bebedeira. Os
teus olhos tavam meio infinitos, saca?
-
Infi, o quê? Isso é coisa de menina. Eu tava legal, só não me lembro de tudo.
-
Daí, Flores, de manhã passamos na frente do bar pra ver o que tinha rolado e
tinha uns caras da polícia lá conversando com o Magrão. (...o cara entrou bem torto no Torto Bar...). Só sei que o bar tava
todo quebrado. Até a mesa de sinuca tava rachada no meio. (...parecendo um orangotango, na verdade era um ser humano, mas nem um
pouco exemplar...) Ela tava pro lado de fora do bar encostada na parede.
-
Porra, Linhaça. Não lembro da gente ter feito isso.
-
Também, não.. Mas eu prefiro pensar que sim.
E
rimos. Rimos muito. A viagem até Guaíra não estava nem na metade. A gente já
tinha virado a Derruba Delinqüente umas dez vezes e já estava batendo uma fome.
-
Chega de historinha pra boi dormir. Vamos parar prum lanchinho?
-
Linhaça, parece que você ouviu meus pensamentos.
Foi
a primeira coisa que eu ouvi da boca do Flores desde que saímos de Curitiba.
-
Eu ouvi!
-
Hahahaha!
O
barzinho é aqueles típicos bares de estrada: nada de novo na nossa rotina de
caubóis. Um restaurante de um lado, uma venda de bugigangas inúteis do outro e
no meio um bar.
-
Vamos ficar por aqui mesmo, Lufus?
-
Boa.
Encostamos
no balcão e uma senhora de uns sessenta anos nos abordou com dois cardápios
fedidos e gordurentos.
-
O prato do dia é arroz, feijão, bife e ovo ou batata-frita.
-
Me vê um desse aí, com ovo. Na verdade, com dois ovos.
Disse
o Lufus. Eu já achando que ele pediria dois PFs.
-
Eu vou de café e cigarro.
Não
estou com a mínima fome e se eu comer esse troço não vou conseguir ficar
acordado pra dirigir. O Lufus se abraçou no PF e num refri de um litro.
-
Linhares, acho que o lugar tá ficando meio sujo. Dá uma olhadinha pra trás.
O
Flores tem uma boa visão. Quatro caras e uma mocinha entraram no bar. Dois de
mais ou menos um metro e noventa e uns cento e trinta quilos; um baixinho, que
parecia ser o chefinho do bando; um baixinho enorme de gordo e uma moça que
logo identificamos como a namoradinha de um dos grandões. Um dos grandões foi ao banheiro enquanto o
resto se instalou no balcão próximo de nós. Eu como de costume fiquei de cabeça
baixa e quieto bebericando meu café, ruim por sinal. O Lufe, em princípio,
também ficou na dele, mas eu já estava vendo a merda acontecer, então fui ao
banheiro preparar a Jéssica pra não dar na vista dos caras. O Flores foi se
afastando. O negócio dele é em dia de lua cheia. Agora o seu esquema é sacar o
caderninho e anotar tudo o que vê. Genial!
-
Lufus, agüenta dois minutinhos que eu tenho de ir ao banheiro.
-
Linhaça, acho que já era. Os caras tão falando merda de mim.
-
Paranóia tua. Relaxa e me espera. Não vá fazer nenhuma merda.
-
Ok, vá lá.
O
Lufus tem dessas paranóias de achar que as pessoas estão sempre falando dele.
Às vezes estão, e a pancadaria se justifica, o problema é que algumas vezes
ninguém está falando dele e temos de quebrar uns dois ou três, mas também, tudo
bem, isso acaba justificando a diversão, por outro lado.
Passei
por trás dos caras e já comecei a sacar o que eles queriam. O grandão número 1
(é que eu gosto de enumerar os caras
que eu vou matar, fica mais fácil pra contar a história depois)
estava
tentando esconder alguma coisa grande dentro da jaqueta; o número 2 foi ao
banheiro; a mocinha, um travesti
(acho que só os caras não perceberam)
tinha
um arsenal de facas e navalhas dentro do coletinho de couro; o número 3, que é
o gordão baixinho, não se sentou, ficou mais perto da porta fingindo que estava
lendo algum guia rodoviário
(não acho que o idiota saiba ler)
não
dá pra ver o que ele está portando como arma, mas deve ser algo pequeno, porque
a sua roupa de gordo não deixaria ele esconder nada;
(ou ele não é
gordo)
o
chefinho a essa hora já estava devorando um PF com a fúria de um animal.
(vou chamá-lo de chefinho, assim dou
uma importância especial pra quando eu estiver arrebentando a sua cara)
Os
caras estavam se preparando pra assaltar a bodega e eu e o Lufus não íamos
deixar isso acontecer. Por isso fui ao banheiro pra me arrumar e ver o que o
safado do número 2 estava fazendo. Espero que o Lufus agüente um pouco até eu
voltar, pois senão ele vai ficar desprotegido com o cara da...
CRASH!!!
A
porta do banheiro estourou com um chute e um troglodita pulou lá de dentro com
uma metralhadora mandando bala pra todos os lados. Todo mundo se jogou no chão.
Eu estava no meio do caminho e tive de me jogar atrás de uma mesa. Olhei pro
Lufus e ele já tinha esmagado a cara do grandão idiota no balcão.
-
Merda!
(o cara da porta tá sacando alguma
coisa da jaqueta e vai pegar o Lufus pelas costas)
Saquei
a Jéssica mais rápido do que eu imaginava que conseguiria. O cara sacou um 38
cano longo.
(de onde o safado tirou essa merda)
Fiquei
cabreiro. Talvez o cara não seja tão gordo e esteja com o corpo forrado de
armas. Mas o 38 do cara era um revólver e a Jéssica uma pistola. Eu fui mais
rápido e o IML vai ter de catar os pedaços do cara até Guaíra. Um balaço no
meio do peito. O gordão foi arremessado com prateleira e tudo pra fora do bar.
-
Esse aí não incomoda mais.
O
Lufus nem viu o que tinha rolado atrás dele. Ele já tinha se jogado pra trás do
balcão enquanto a saraivada de balas não parava.
-
Porra! Deram uma metralhadora prum imbecil. O cara vai destruir o bar inteiro e
não vai acertar ninguém, muito menos levar a grana.
Fui
me arrastando por debaixo do que restava de algumas mesas e vi do outro lado do
bar o chefinho armando uma escopeta. A namoradinha do número 2 estava de pé ao
lado da porta do banheiro, logo atrás do animal com a metralhadora. O número 1
está desmaiado no chão, mas vai acordar daqui a pouco. Pensei no Lufus. Agora é
a hora da gente inventar alguma coisa e acabar com esses pilantras.
Foi
eu pensar em alguma coisa quando saiu voando detrás do bar uma garrafa de um
whisky vagabundo
(o Lufus sabe preservar o patrimônio)
e
espatifou do outro lado do restaurante. Os dois idiotas começaram a atirar
naquela direção. Entendendo o que o Lufus queria, levantei.
-
A Jéssica vai adorar te conhecer.
Dois
tiros. Um no braço que segurava a metralhadora e outro na perna. Não queria
matá-lo, ainda tínhamos muito o que conversar depois da confusão. Lufe num pulo ficou em cima do balcão, sacou
os dois 38 canos longos que ele carrega, como ele mesmo diz, “Um no coração e
outro na retaguarda”, e fuzilou o chefinho. O cara não teve tempo nem de se
assustar. Esse vai ser outro que o IML vai ter dificuldades de identificar.
-
Temos um problema, Lufe.
Gritei
debaixo de uma mesa.
-
Qual, Linhaça?
A
voz do Lufe já tinha se alterado. Ele já tinha sido dominado pela besta.
-
Merda! Agora é que morre todo mundo.
Olhei
por cima da mesa e o animal do Lufus já estava em cima do cara que eu
economizei rasgando o peito dele com uma faca que ele deve ter tirado do cara.
Foram algumas estocadas. O cara apagou na primeira, mas levou mais algumas de
brinde, pra aprender a não ser otário de entrar numa casa de família com uma
metralhadora e achar que está no parque de diversões.
O
travesti sumiu. Comecei a matutar, pois o Lufus não bate em mulheres, mesmo
sendo um travesti. Então daqui a pouco esse cara deve aparecer de surpresa e o
Lufus não vai fazer nada.
-
Lufus, você tá legal?
-
Agora é com você maninho. Na menina eu não encosto.
A
voz tinha mudado. Estava voltando ao normal.
-
Feito. Então vamos encontrá-la.
A
velha do bar assoviou e fez um sinal pra mim dizendo que ela estava dentro do
banheiro feminino. Apontei o banheiro feminino pro Lufus.
-
Eu não entro lá. Vai você.
-
Ok.
Fui
me arrastando devagar até o banheiro feminino que ficava logo ao lado do
masculino onde o Lufe, agora, se recompunha da briga e limpava as tripas que
estavam por cima dele. Devagar me aproximei e já senti o cheiro fétido dos
perfumes baratos que são comuns em lugares como o que estamos. Ela deve estar
lá dentro.
-
Pode sair, dona. O teu bando já era.
Eu
estou querendo poupar alguém pra fazer uma Entrevista e acho que vai dar certo
com essa moça. Não é comum moças nas nossas caçadas. Isso vai ser bom porque o
Lufe não vai nem querer chegar perto dela na Entrev...
POW
POW POW!!!
-
Cacete! Ela tá atirando!
Três
tiros na minha direção vindos do banheiro. Pelo barulho, uma Glock 380, fácil
de levar na bolsa, típica arma de quem trabalha na noite. Mas faz um estrago.
Então, fiquei quieto por uns segundos. Me arrastei pra perto do banheiro. Ela
deve estar me vendo. O Lufus saiu do banheiro masculino mais limpo. Olhei pra
ele e fiz um sinal pra que ele fizesse algum barulho. Ele sacou a idéia e se
jogou atrás de uma mesa como se eu tivesse corrido pra lá. Ela não entendeu a
piada e meteu a cara pra fora do banheiro pra ter mais ângulo e mandou ver mais
três tiros. Eu só precisei de um. Jéssica não falha nunca.
Revistamos
os caras. O número um tinha começado a acordar e o Lufus pisou “sem querer” no
seu pescoço: já era!
-
Foi mal, Linhaça. Não vi o cara e pisei nele sem querê.
É
sempre assim. Uns por querer e outros sem querer. Pura diversão.
Os
safados tinham um arsenal. Acho que eles queriam assaltar a Casa da Moeda.
Amadores! A polícia chegou logo depois. A velhota do bar nos agradeceu e mandou
de brinde três PF. Arrumamos uma mesa e saboreamos o jantar.
-
É uma pena que ela tenha botado só a cara pra fora.
-
Mandou bem, Linhaça. A safada ia arrepiá nós dois e você sabe que eu não ia
fazer nada.
-
Você tem que rever esse teu conceito, Lufus.
-
Não dá, maninho. Mulher é mulher, cê sabe como é.
-
Sei.
-
Detetives, vocês acabaram de me dar um conto perfeito. Já tenho todas as
imagens anotadas.
-
Genial, Flores! De fã eu passei a ser tua inspiração.
-
Vou publicar um conto e homenagear vocês dois.
-
Hehe, manêro, hein, Linhaça?.
Comemos.
-
Vâmbora.
-
Você dirige?
Pergunta
retórica.
-
Claro... que não!
Fomos
pro carro.
-
Ô, Linhaça. Quanto tempo até Guaíra?
-
Mais duas horas e meia. Dorme!
Lopes
meteu a minha cobertura nos olhos e dormiu. A polícia limpava o local. O Flores
anotava mais um monte de coisas. Recostei no capô do Santanão, acendi um
cigarro. Tinha de esperar o bode do jantar passar. Por um tempo fiquei olhando
a lua. Voltei pro carro e fomos embora.
Não
devíamos ter parado naquele restaurante. Já são duas da manhã. Eu não conheço
Guaíra e o Fúlvio dorme. O Flores voltou. Entramos no carro e fomos embora.
Três horas depois tínhamos chegado na cidade.
-
Vou rodar por uns minutos pra ver se encontro algum lugar pra ficar. A cidade é
estranha, ou pelo menos está com uma cara estranha. Um clima meio nebuloso.
Garoa fraca e está mais frio do que devia.
-
Guaíra é assim, Detetive.
Disse
o Flores que já tinha acordado.
Acordei
o Lufe.
-
Ei, acorda!
Ele
resmungou feito criança, virou de lado e continuou dormindo.
-
Acorda, Lufe. Vâmo cacete. O lugar é sinistro e só você sabe aonde temos de ir.
O
Lufe começou a acordar. Tirou a cobertura do rosto, esfregou os olhos, pôs os
óculos e levantou o banco.
-
Pô, Linhaça, eu tava num sonho bacana com uma moça e coisa e tal, sabe como é...
Caramba, já tâmo em Guaíra? Porque você não me acordô?
-
Aonde fica a pousada?
-
Segue em frente. É mais logo alí.
Dos
dois lados da estrada mato e mais mato. Muitos pinheiros. Os caules todos muito
próximos dificultavam a visão. Fui seguindo devagar para conhecer melhor o
lugar. Do lado esquerdo, ao fundo, a mais ou menos uns 500 metros donde
estávamos vimos uma casa. A luz da varanda estava acessa.
-
É uma pequena chácara, Linhares.
-
Sabe de quem é?
-
De um casal de velhinhos, Seu Horácio e Dona Thelma.
Disse
o Flores.
-
E são suspeitos de alguma coisa.
-
Talvez, de viver em paz no canto deles.
Um
cheiro forte de esterco começou a invadir o ar. Começou a diminuir a quantidade
de árvores e um enorme pasto com milhares de cabeças de gado se apresentou para
nós. Vários galpões espalhados pela campina denunciavam uma enorme fazenda.
Coisa grande.
-
Essa fazenda é do prefeito.
-
Dá pra imaginar como ele a comprou.
-
Hehe.
-
E esse prefeito? Pelo jeito ele tem parte na estória.
-
Eu acho que não. Ele parece não saber do que acontece por aqui. Mas com esse
poderio todo acho que o cara pode estar por trás de algo maior, saca?
-
Eu imagino. Mas se for alguma coisa ilícita ele jamais ostentaria tanto.
-
Acho que tem há ver também com política e não só com drogas e coisa e tal...
-
Pra mim todas as coisas estão associadas. Aonde tem merda, tem mosca.
Passamos
a fazenda do prefeito e chegamos numa encruzilhada. Uma placa velha de madeira
indicava Guaíra 2km à frente; para o lado direito mais fazendas e pro lado esquerdo,
a duzentos metros a tal pousada Flor da Serra.
-
Muito bom, Lufe.
-
Que?
-
O cartão de visitas da cidade é uma encruzilhada.
-
Hehe. Sabia que você ia dizê isso. Todo mundo que chega aqui na cidade fala
disso.
-
Alguma coisa estranha com essa encruzilhada?
-
Que eu saiba nunca aconteceu nada por aqui. É muito óbvio que algo aconteça,
não acha?
-
Pode ser.
Pegamos
a esquerda e seguimos até a Pousada Flor da Serra. Estacionei o carro na frente
da Cantina. O Lufus foi primeiro com o Flores. Eu fiquei fora da pousada mais
alguns minutos averiguando o espaço. Mais um cigarro.
-
Muito mato em volta.
Barulhos
de bichos, insetos e afins começaram a me confundir.
-
Fica difícil prestar atenção em algo quando o barulho vem de todos os lados.
Muitos
vagalumes formavam pares de olhos no fundo escuro da floresta. Um festival de
luzes amarelinhas.
-
Em princípio muito bonito não estivesse eu investigando tráfico de droga,
homicídios e outras cositas más.
Aliás,
isso me cheira confusão, pois, ninguém foi morto, ainda. Temos suspeitas de que
algo estranho acontece por aqui, mas, de fato, ainda não temos nada. A tal
Katrina não me saiu da cabeça a viagem inteira. E o que eu vi no restaurante do
Tony foi de fato muito suspeito. Apenas eu vi. O Tony disse que nunca tinha
visto aquela moça e que lembraria se alguém, como ele mesmo disse, “gostosa”,
aparecesse por lá sempre. Os garçons também não viram nada. O cara que trabalha
na entrada nem notou alguma “gostosa” no restaurante. As pessoas em volta
pareciam não ter notado sequer que a temperatura tinha mudado. Então, eu já não
sei ao certo se foi delírio meu ou se de fato alguma coisa estranha realmente
aconteceu naquele dia. O importante é que eu sinto cheiro daquele bilhete neste
lugar e é isso que eu vou averiguar amanhã pela manhã.
-
Ô, Linhaça. Chega mais. Você tem de assiná uns papéis aqui.
-
E pagar, também.
-
Hehe. É isso aí, maninho.
-
Você pegou um quarto só, não é?
-
Claro. Estamos em missão.
-
Bom.
-
Como eu dormi no carro, acho que posso ficar acordado o primeiro turno e dar
uma estudada em algumas coisas. Eles tem uns computadorzinhos aqui. Eu posso
fazer uns mapas dos bares, da prefeitura, enfim, dar uma geral pra gente fazer
uma correria amanhã.
-
Mandou bem, Lufe. Eu vou tomar um café e vou me deitar.
-
Nem um banhinho?
-
Você sabe que eu detesto tomar banho à noite. Me tira o sono.
-
Hehe. Pode crê. Eu vou pegar uns jornais e ver esse tal mapa. Sonhe comigo.
-
Hehe.
O
Flores já estava sentado em uma mesa revendo suas anotações. Eu fui deitar.
Quarto
212. Segundo andar. O lugar é agradável. Uma casa antiga com a recepção logo na
entrada à esquerda e uma porta ao fundo que leva pro restaurante. Do lado
direito um pequeno saguão de aguardo com televisão, sofá de três lugares,
jornais e algumas revistas, mais dois computadores com uma impressora, onde o
Lufe se sentou para pesquisar. Um corredor logo depois da recepção leva aos
quartos do andar de baixo e uma escada ao leva segundo andar. Corredores de
carpete.
-
Merda. Minha rinite vai atacar como de costume.
Dobrando
a escada um enorme quadro na parede. Uma pintura barroca: uma rocha no topo de
uma colina e um homem no sentado no topo dela de costas vendo a lua cheia, que
é enorme na pintura e fica ao fundo ocupando boa parte do quadro.
-
Que quadro jacu! Talvez, umas violetas roxas em volta dele pudessem piorar.
Meu
humor está um pouco alterado. Quase vinte e quatro horas sem dormir. A escada
termina no começo de um corredor que leva para todos os quartos do segundo
andar. No começo do corredor e no fim, dois enormes janelões que abrem pra
fora, cada um tendo mais ou menos dois metros de altura, por um e oitenta de
largura. Por eles dá pra ver, do lado da escada, o estacionamento e a frente da
pousada, e na janela do final do corredor, o fundo do lugar que dava pra
floresta. Está muito escuro e não consigo ver nada, apenas os vagalumes e as
corujas e mais um monte de pequenas coisas se mexendo numa espécie de ballet
madrigal.
-
Quarto 212. O último do corredor logo à frente do 211. Perfeito. Longe de tudo
e de todos.
O
quarto tinha duas camas de solteiros um pouco maiores que o normal, o que seria
ótimo para ambos: eu caibo numa de solteiro, mas o Lufus só cabe em camas
grandes. Essas duas já resolvem nossos problemas. O banheiro fica logo na
entrada do quarto à direita: chuveiro à gás.
-
Perfeito!
Uma
mesa com televisão, um armário, enfim, tudo o que um quarto de hotel tem de ter
e, o mais importante, uma janela grande no quarto que leva para a floresta.
Fiquei alguns minutos ainda olhando a floresta, enquanto matava o meu último
cigarro do dia.
-
Ela me intriga.
Deitei
e apaguei.
(continua)
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