quarta-feira, 14 de março de 2012

Investigação no Boqueirão, sétima parte

Derruba Delinqüente

Três pf’s, por favor!

- Conversei com o Flores sobre Guaíra.
- E ele?
- Disse que tínhamos de esperar essa lua cheia acabar, o que é hoje, e nos prepararmos para viajar.
- Bom! Não agüento mais ficá aqui.
- Ele falou que tem que ver um cara em Guaíra. Não quis entrar em detalhes, mas ele também quer ir pra lá.
- Ótimo! O cara sabe controlá a fera e isso vai nos ajudá a acabá cô bando do Cezinha Maluco.
- Falei com o Azevedo.
- E ele?
- Disse que tudo bem.
- Quantas?
- Quatro pistolas Beretta 9mm, um rifle 7,62 sniper, e uma 12 cano serrado, do jeito que você gosta, hehe.
- Massa! E munição?
- Quantas caixas quisermos, mais facas e acessórios alhures de brinde.
- Prata?
- Não sabe quem faz, nem tem noção de que isso possa existir. Diz que já ouviu falar, mas são projéteis muito frágeis e caros, então, ninguém procura.
- E como você vai fazer?
- Vou fazer.
- E prata pra tudo isso?
- Sei lá. A gente se vira. O Flores falou que vamos na próxima lua cheia, senão não temos chance contra aqueles idiotas. Temos um tempinho pra fabricar esses projéteis.
Boaventura entrou na sala.
- Bom dia, garotos.
O Lufus no seu mal-humor típico.
- Florestano, você tem que me tirá daqui, cacete. Essa porra de jaula tá me deixando louco.
- Agüenta aí, Grandão. Hoje é a última noite de lua cheia. Eu preciso resolver duas coisinhas durante os vinte dias que se seguem até a próxima lua, então, partimos.
- Beleza. Ô Linhaça, faz um cafezinho pro papai.
- Hehe. Papai é boa.
Aquele noite foi a mais sem graça de todas. Lufus se contorceu um pouco, deu uns gritos; Flores saiu pra caçar; eu fiquei fumando e tomando café a noite inteira, enfim, o troço estava se tornando chato demais pra mim. Estávamos de novo parados, esperando...
- Mas, esperando o que?
Entrei na jaula do Lufus. O Flores veio atrás de mim.
- Vambora, Lufe. Ontem foi o último dia do teu período fértil. Isso aqui já deu pro saco.
- Ei, Linhares. Cuidado! A última lua foi ontem. Você tem de ter mais cuidado pra lidar com o Lufus.
- Imagina. Ele é que tem que ter cuidado comigo.
O Lufus já estava de pé. Estiquei suas roupas. Ele se vestiu. Ainda um pouco baleado das noites fatigantes dentro da jaula., mas conseguiu caminhar até o Inércia.
- E agora, Linhaça?
- Agora, vamos arranjar prata pra enchermos as armas e esperar a próxima lua cheia. Acho que o Flores vai querer trocar umas idéias com você.
- Sobre?
- Sobre a Fera. Como que faz, enfim, os cachorrinhos são vocês, hehe.
- Engraçadão. Vâmo pegá umas tortinhas na padóca?
- Yes, man.
E nessas quase três semanas ficamos apenas nos preparando pra ir pra Guaíra. O Flores dando aulas pro Lufus de “Etiqueta Básica para Lobisomens” e eu fabricando os projéteis, bebendo e andando pela noite mais perdido que bala em boca de banguela.
Num dos dias, o Flores conseguiu algumas fotos do Tranca-Rua pra mim. Fui levá-las para Polyanna. Ela adorou. Acreditou na historinha pra boi dormir do Florestano e pagou mais R$ 5.000,00 pelo trabalho. Eu aceitei. Comprar toda a prata tinha zerado o Banco Central lá do escritório.
Mas, antes que eu enlouquecesse, os vinte dias passaram.
- Linhaça, cê tá ligado no Cezinha Maluco, não é?
- Você me falou a história toda.
- Pois é, mas eu não te falei sobre umas paradas.
- O que?
- A gente vai pegar os caras num bar chamado Big Bróder.
- Cacete. Big Bróder...
- Então... daí que o dono desse bar é o tal de Cezinha Maluco, um doidão viciado em batata-doce.
- Que?
- Pois é, batata-doce. O cara é doido por batata-doce. Quando eu descobri, também não botei fé, mas depois me acostumei. O animal puxa uma batata a cada dez minutos e fica roendo na tua frente. Coisa estranha. Mas, enfim, ele também usa umas paradas ilícitas dá pra ver na cara, mas a pira do coitado é pela tal da batata-doce.
- Certo, nós estamos atrás de um cara viciado em batata-doce... E o que mais?
A essa altura o Fúlvio já estava de pé no meio da sala com os braços abertos gesticulando mais que minhoca no anzol, empolgadíssimo com a estória de Guaíra. Porque vejam, o Fúlvio é um cara de um metro e noventa e cento e quarenta quilos; polaco, barbudo e de olhos verdes, e que gosta de uma boa briga. Quando ele se empolga pra contar uma estória, o que ele faz muito bem, diga-se de passagem, ele precisa de espaço, muito espaço, do contrário algumas coisas ficam em risco apenas de existirem perto dele. Apesar disso, é um cara muito na paz e meigo - quando não está batendo em alguém - uma espécie de Obelix, por isso eu o chamo carinhosamente de Lufus, por causa da aparência de lobo e do seu comportamento dócil.  Mas, nesse caso, estamos no escritório, e por aqui temos apenas a mesa com duas cadeiras à frente, um sofá de dois lugares e dois armários que servem de arquivos, além do computador na mesa com algumas bugigangas típicas: papéis, canetas e materiais de escritório. Na parede, dois quadros, um que estão eu e o Fúlvio num churrasco com amigos e a lua de fundo, e outro que são milhares de fotos 3X4 de nossos amigos queridos, e não muito queridos também, que vamos coletando com o passar do tempo. Conforme os nossos amigos vão falecendo, vamos pintando as fotos dos falecidos de amarelo, bem como anexando fotos de novos amigos, ou dos filhos dos amigos que vão nascendo, porque eu e o Fúlvio, pelo tipo de vida que levamos, acho que não deixaremos descendentes sobre a terra, mas isso é outra história.
- Fechado, Linhaça. Vô pegá uns cafés na padóca da esquina e te encontro na viatura.
O Fúlvio não encostou no café que eu fiz e saiu correndo.
- Aproveita e compra aquelas tortinhas de requeijão e umas cocas em lata.
- Pode deixá!
Gritou lá da porta do elevador e sumiu. Realmente o cheiro do meu café estava de espantar baratas. Deixei o café sobre a mesa, meti o capote, a cobertura, Jéssica, minha 45 de estimação, uma pistola .45 ACP de 7 + 1 cartuchos
(só por curiosidade, esse calibre foi utilizado na famosa Thompson Tommy Gun, conhecida por estar associada à Máfia americana e ser usada por Al Capone)
caneta e papel pras anotações de praxe, máquina fotográfica...
(será que eu conferi tudo...)
documentos, chave da viatura, grana, fechar as janelas, desligar o gás, cigarros... Tudo pronto. Desci.
Estava emocionado em poder fazer algo emocionante, contando com hoje já fazia tempo demais que nada acontecia no escritório. Na verdade, meter a gente nessa enrascada era só uma forma de sair da mesmice do escritório e de quebra resolver essa querela em Guaíra. Porque eu não sei porque, mas eu sentia o cheiro da tal Katrina, a moça do bilhete, envolvida com alguma coisa em Guaíra, não sei o motivo, acho que é o instinto voltando a funcionar depois dessas férias forçadas.
Fúlvio já estava encostado na viatura devorando um pacotinho de tortinhas e dois cafés grandes quando eu cheguei.
- O teu tá no carro.
- Beleza. Então vamos direto sem escalas. Quero chegar lá antes de anoitecer.
- Como? É longe pra burro.
- Você não confia no Inércia?
- Não!
Um não seco e contundente, como se não soubesse que a viatura era a última coisa em carros de polícia. Mas, no fundo, isso era inveja, porque a viatura era minha, presente de meu pai quando ele faleceu. Meus irmãos ficaram com as posses mais financeiramente rentáveis e eu quis apenas o Santanão 93. Uma Santana Quantum 2.0 semi-nova, como dizia o Fúlvio, “Beeem semi-nova”, mas era minha e eu gostava dela. Toda adaptada para situações de risco: coldres com armas escondidas no teto, nas portas, no porta-malas; luzes de xenônio na frente caso precisássemos cegar alguém na estrada, ou não sermos identificados; motorzão mexido (tá certo que bebia mais que nós dois juntos, mas tinha 40 cavalos a mais e andava que era o demônio em dia de procissão); sem bancos traseiros pra aumentar a mala do carro; comunicação via satélite com todas as polícias e escritórios de detetives do Brasil, e é claro, frigobar anexo.
- Vambora, Lufus.
- Ok, Linhaça. Vâmo nessa!
Dei a partida no Inércia e fomos. Passamos no Alto Uberaba e pegamos o Flores, que já nos esperava de malinha pronta na frente de casa. Ficamos em silêncio por uns trinta minutos, enquanto terminávamos de tomar o café da manhã.
- Maravilha esse negocinho da padaria. Será que tem essas tortinhas pra vender em Guaíra?
Disse o Flores empolgado com tortinha de requeijão da Dona Marta.
- Lufus, pega a Derruba Delinqüente aí.
- Genial, Linhaça.
- O que é isso?
- Fica tranqüilo, Flores. Relaxa.
Lufus abriu o porta-luvas e entre papel-higiênico, manual do carro, cigarros e mais algumas quinquilharias, achou uma fitinha cassete. Abriu um sorrisão.
- Isso aqui sim é música pros meus ouvidos.
E colocou a fitinha pra tocar. (O cara entrou bem torto no Torto Bar...) Muito rock, country, músicos de fora e da cidade também, e uma música, que é a preferida do Lufus, e que dá nome a fitinha: Derruba Delinqüente. (...mas nem um pouco exemplar...) Gosto desse som, mas o Lufus acha que essa música devia tocar toda vez que ele estivesse matando (...mais de trinta mortes na ficha...), torturando ou quebrando alguém, uma espécie de fundo musical para as Entrevistas. (...mata e depois quer estuprar...) Esse é o jeitinho carinhoso com que tratamos nossos inimigos depois de capturados: sempre dizemos que esses púlias (...pelo jeito o sujeito era mesmo bom de briga...) têm a oportunidade de ser entrevistados por nós, e que nós como bons entrevistadores que somos, devemos tratá-los como manda o manual de bons costumes do nosso escritório de detetives. (...orra, aquilo parecia um filme do Tarantino...) É que a coisa funciona mais ou menos assim: primeiro uns tabefes básicos na altura das pernas e da barriga, (...sacou um copo americano, botou seis dedo do litrão...) que é pra ver se o cara amolece. Nessa hora nem queremos que o cara fale alguma coisa, e se falar, logo dizemos que é mentira, que ele está enrolando, e que quer parar de apanhar muito cedo. (...“esse bar é pequeno demais pra nós dois”...) Então, continuamos. O nível das pancadas começa a aumentar, poucos tapas, porém, tapas bonitos e certeiros. (...o malvado pistoleiro deu um gole para o santo...) Começam a aparecer coisas como fogo em algumas partes do corpo, não aquela historinha de apagar bitucas de cigarros, igual nos filmes que a gente vê por aí, (...espremeu a cara toda, caiu no chão de costas...) o esquema é outro, primeiro, você põe o cara deitado e tira a camisa dele – se ele já não estiver de camisa, óbvio – , e depois você espalha pelo peito do safado um pouco de mel e põe umas formiguinhas que tem por aqui, na beira do rio Iguaçu – umas chapuletas de umas formigas que se deixar devoram o cara em poucas horas.  Cada picada é uma descarga elétrica. (...derruba delinqüente era o nome da aguardente.) No começo parece que o indivíduo levou um choque, com o tempo começa a arder e aos pouquinhos vai ardendo cada vez mais como se houvesse um fogo de dentro pra fora do peito. Olha, se o cara não falar nessa hora tudo bem, não tem problema, quem está queimando é ele! Daí, temos de partir para outras técnicas mais divertidas e apelativas como por exemplo deixar o Lufus pisar na cabeça do cara por alguns minutos. Isso também funciona, mas não tem a cara do nosso escritório, portanto, não fazemos muito.
- Porra Lufus, essa música já tocou três vezes!
O Flores já estava chateado.
- É que eu tava aqui pensando na nossa última visita ao Torto Bar.
- Hehe!
Eu sorri, sarcasticamente. Aquele dia tinha sido interessante.
- Escuta só, Flores.
- O cara tava bem locão, lá no Torto.
- O Lufus saiu do banheiro e foi continuar sua sinuquinha. Eu estava, como de costume, encostado na ponta do balcão perto da porta apenas observando e botando o cérebro pra funcionar. Saquei de canto de olho que estava rolando alguma merda com o Lufus. Ele precisava dar uma tacada e um cara no balcão não estava dando a mínima pros seus pedidos de licença. O Lufus é um cara educado, um gentleman, mas o babaca não quis dar licença.
- Acho aquele bar muito apertado.
- Mas o bolinho de carne é bom pra caralho!
- Mas, vão uns manés lá. Não gosto de uns caras que aparecem por lá. Cambada de safados.
- A gente podia na volta de Guaíra passá lá e quebrá a boca de todos eles. O que você acha Linhaça?
- Acho que devíamos Entrevistar todos eles juntos. Uma espécie de A Grande Entrevista.
- Hihi, genial, Linhaça.
- Então o Lufus virou pro cara e disse: “opa, compadre, você me dá uma licencinha?”, o cara nem se mexeu. Fiquei olhando pra ele. (...parecendo um orangotango...) Eu sei como o Lufus é. Ele agüentou mais um pouco e disse de novo “amigo, você me dá um espacinho só preu dá uma tacada aqui rapidinha?”. O safado teve a petulância e a pachorra de olhar por cima do ombro e dizer “que?”. Pronto. Daí ele não agüentou. (...na verdade era um ser humano...) Quando o cara disse “que”, e um “que” sórdido, num tom de desdém e pirraça deu pra ver o sangue do Lufus ferver porque, porra , o fato é que estávamos na boa dentro do bar, tomando uns drinks, vendo a meninada, batendo uma sinuquinha e, de repente, vem um babaca desse arranjar confusão, e logo com a gente? È, o cara que bancou o idiotinha com ele, agora vai ter de segurar as feras. (...deu um tapa no balcão...) De bate pronto o Lufus já meteu a ponta do taco na boca do estômago do corno. O cretino baixou a cabeça com as mãos na barriga e Lufus ergueu ele no socão de baixo pra cima, (...chamou o garçom, deixa de lenga-lenga e sirva logo a minha pinga...) aí ele me olhou e pensou “Esse já era. Agora deve ter uns vinte trogloditas atrás de mim prontos pra me quebrar. Então quando eu virar talvez eu leve uma , mas daí eu vô dechavá esses púlias”. (...três pipocos para o alto espantou as raparigas...) Ele tinha razão. Atrás dele já vinham mais três idiotas. Catei o taco que estava encostado no balcão e gritei “Abaixa!”, e mandei o taco na fuça do primeiro da fila, o que deu tempo do Lufus se virar agaixado e dar uma rasteira no segundo que caiu de boca na mesa de sinuca, enquanto o terceiro parou, pensou melhor e pegou uma garrafa de cerveja do balcão. Como o Lufus estava agaixado socando o cara que espatifou a cara na mesa ele achou que podia vir pra cima de mim. Esse cretino deve ter pensado “Vou pegar o menorzinho ali”. Coitado! Ainda consegui me abaixar e ver a garrafa explodir no cara que tava atrás de mim. “Há! Eu sou muito phóda”, pensei rapidinho, (...um disse corra, o outro saiu de fino...) como quem não quer nada, mas sem perder a briga de vista, estética da gracinha, você sabe como é. Nisso, veio um cara por cima da mesa pulando em cima de mim. “Que mané”, joguei o cara contra a geladeira de refri que fica do lado de fora do balcão. (...o malvado pistoleiro deu um gole para o santo...) A geladeira espatifou em três e o cara desmaiou. “Menos um”. Então, levei uma cadeirada nas costas, isso doeu um pouco, mas não o suficiente pro cara que me deu a cadeirada conseguir fugir. (...escorregou pela goela a diaba da amarela...) Ele tentou recuar pra sair do bar, mas como aquela pocilga é minúscula e tava rolando um quebra-pau dos infernos o cara ficou travado entre eu e a mesa de sinuca. Aí eu não perdoei. Parei na frente do cara e fiquei olhando no fundo dos seus olhos, como se tentasse hipnotizá-lo. O cara também ficou me olhando. Esse foi o tempo suficiente pro Lufus pegar o cara pelos culhões e pelo pescoço e arremessar o cara pra fora do bar onde uma platéia atenta vibrava a cada golpe. O mané rolou no chão até o meio da rua e saiu correndo gritando alguma coisa que tinha a ver com retaliação. O Lufus até esboçou correr atrás do cara, mas eu o contive. Até achei que a pancadaria tinha acabado. Mas do outro lado da rua, quatro caras com pedaços de pau se armavam pra vir pra cima da gente. Um dos quebrados estava atrás de um desses idiotas. Provavelmente foi chamar o irmão mais velho, “Que menininha”, pensei. O Lufus arregaçou a manga, estralou o pescoço e foi andando em direção aos caras. Sem que ninguém visse catei duas bolas de sinuca. O Lufus já tinha se largado pra cima dos quatro quando mandei uma bolaça na boca do cara da esquerda, que provavelmente seria o cara que tentaria dar a volta e atacar o Lufus pelas costas. “Esse já era”, pensei. Eu tinha mais uma tacada pra dar e não gostaria de errar. Faltam três. Como os três estavam se estapeando em roda com o Lufus, ficava difícil de mirar. “Droga. Não vai dar certo”, e saí correndo. Pulei por cima do Lufus que nessa hora estava de costas pra mim e voei com o pé no peito de um dos cretinos. Ele voou contra uma porta de ferro de uma pequena distribuidora de bebidas e arrombou o bar. Começou a tocar o alarme. O bar inteiro debandou. Ficaram apenas o cara que arrombou o bar, eu, o Lufus, e um cara que ele segurava pelas pernas. Olhei pro Lufus e ele pensou, “Esse foi o que eu tive mais gosto de socar. A cara de medo do cara começou a me alimentar o espírito, sabe como é, né Linhaça? Parecia que tinha uma besta crescendo dentro de mim, sei lá, tipo um lobisomem, tá entendendo?”, então eu falei, “Aham, um lobisomem albino”, e ele respondeu, “Hahaha! Muito boa essa, Linhaça! Isso mesmo um lobisomem albino. Eu já sentia as minhas presas crescendo e o meu corpo triplicando e tamanho. Eu só queria matar. (...mais de trinta morte nas costas...) Era isso que se passava dentro de mim: matar e depois matar e depois matar e matar mais um pouco só pra relaxar depois de matar pra cacete”. Mas não matamos ninguém. Apenas demos uma liçãozinha básica naqueles púlias. Aí, começamos a voltar pro escritório, que é mais perto do que a casa. Minhas costas doíam um pouco. O Lufus tinha um corte na sobrancelha.
-Pegamos os caras, hein Linhaça?
- Hehe. Esses canalhas não voltam aqui tão cedo.
- Você tava meio estranho quando atravessou a rua.
- Sei lá, Linhaça, senti meu corpo formigando. Eu queria quebrar os caras em setecentas partes. Catar o cara pelo pescoço, jogar na parede, sei lá, entende? Apaguei. Quando eu peguei o último pelas pernas eu... daí eu não sei mais o que eu fiz, não consigo lembrar. (...só o Magrão estacou com as veia saltada nos óio de raiva...) Isso foi o mais estranho, porque aos pouquinhos eu fui perdendo a consciência, tem coisas que eu lembro da briga e tem coisas que não.
- Humm... Isso é estranho. Deixa pra lá. A gente já tinha tomado umas mesmo. Eu também não lembro de algumas coisas, mas acho que tem há ver com bebedeira. Os teus olhos tavam meio infinitos, saca?
- Infi, o quê? Isso é coisa de menina. Eu tava legal, só não me lembro de tudo.
- Daí, Flores, de manhã passamos na frente do bar pra ver o que tinha rolado e tinha uns caras da polícia lá conversando com o Magrão. (...o cara entrou bem torto no Torto Bar...). Só sei que o bar tava todo quebrado. Até a mesa de sinuca tava rachada no meio. (...parecendo um orangotango, na verdade era um ser humano, mas nem um pouco exemplar...) Ela tava pro lado de fora do bar encostada na parede.
- Porra, Linhaça. Não lembro da gente ter feito isso.
- Também, não.. Mas eu prefiro pensar que sim.
E rimos. Rimos muito. A viagem até Guaíra não estava nem na metade. A gente já tinha virado a Derruba Delinqüente umas dez vezes e já estava batendo uma fome.
- Chega de historinha pra boi dormir. Vamos parar prum lanchinho?
- Linhaça, parece que você ouviu meus pensamentos.
Foi a primeira coisa que eu ouvi da boca do Flores desde que saímos de Curitiba.
- Eu ouvi!
- Hahahaha!
O barzinho é aqueles típicos bares de estrada: nada de novo na nossa rotina de caubóis. Um restaurante de um lado, uma venda de bugigangas inúteis do outro e no meio um bar.
- Vamos ficar por aqui mesmo, Lufus?
- Boa.
Encostamos no balcão e uma senhora de uns sessenta anos nos abordou com dois cardápios fedidos e gordurentos.
- O prato do dia é arroz, feijão, bife e ovo ou batata-frita.
- Me vê um desse aí, com ovo. Na verdade, com dois ovos.
Disse o Lufus. Eu já achando que ele pediria dois PFs.
- Eu vou de café e cigarro.
Não estou com a mínima fome e se eu comer esse troço não vou conseguir ficar acordado pra dirigir. O Lufus se abraçou no PF e num refri de um litro.
- Linhares, acho que o lugar tá ficando meio sujo. Dá uma olhadinha pra trás.
O Flores tem uma boa visão. Quatro caras e uma mocinha entraram no bar. Dois de mais ou menos um metro e noventa e uns cento e trinta quilos; um baixinho, que parecia ser o chefinho do bando; um baixinho enorme de gordo e uma moça que logo identificamos como a namoradinha de um dos grandões.  Um dos grandões foi ao banheiro enquanto o resto se instalou no balcão próximo de nós. Eu como de costume fiquei de cabeça baixa e quieto bebericando meu café, ruim por sinal. O Lufe, em princípio, também ficou na dele, mas eu já estava vendo a merda acontecer, então fui ao banheiro preparar a Jéssica pra não dar na vista dos caras. O Flores foi se afastando. O negócio dele é em dia de lua cheia. Agora o seu esquema é sacar o caderninho e anotar tudo o que vê. Genial!
- Lufus, agüenta dois minutinhos que eu tenho de ir ao banheiro.
- Linhaça, acho que já era. Os caras tão falando merda de mim.
- Paranóia tua. Relaxa e me espera. Não vá fazer nenhuma merda.
- Ok, vá lá.
O Lufus tem dessas paranóias de achar que as pessoas estão sempre falando dele. Às vezes estão, e a pancadaria se justifica, o problema é que algumas vezes ninguém está falando dele e temos de quebrar uns dois ou três, mas também, tudo bem, isso acaba justificando a diversão, por outro lado.
Passei por trás dos caras e já comecei a sacar o que eles queriam. O grandão número 1
(é que eu gosto de enumerar os caras que eu vou matar, fica mais fácil pra contar a história depois)
estava tentando esconder alguma coisa grande dentro da jaqueta; o número 2 foi ao banheiro; a mocinha, um travesti
(acho que só os caras não perceberam)
tinha um arsenal de facas e navalhas dentro do coletinho de couro; o número 3, que é o gordão baixinho, não se sentou, ficou mais perto da porta fingindo que estava lendo algum guia rodoviário
(não acho que o idiota saiba ler)
não dá pra ver o que ele está portando como arma, mas deve ser algo pequeno, porque a sua roupa de gordo não deixaria ele esconder nada;
(ou ele não é gordo)                  
o chefinho a essa hora já estava devorando um PF com a fúria de um animal.
(vou chamá-lo de chefinho, assim dou uma importância especial pra quando eu estiver arrebentando a sua cara)
Os caras estavam se preparando pra assaltar a bodega e eu e o Lufus não íamos deixar isso acontecer. Por isso fui ao banheiro pra me arrumar e ver o que o safado do número 2 estava fazendo. Espero que o Lufus agüente um pouco até eu voltar, pois senão ele vai ficar desprotegido com o cara da...
CRASH!!!
A porta do banheiro estourou com um chute e um troglodita pulou lá de dentro com uma metralhadora mandando bala pra todos os lados. Todo mundo se jogou no chão. Eu estava no meio do caminho e tive de me jogar atrás de uma mesa. Olhei pro Lufus e ele já tinha esmagado a cara do grandão idiota no balcão.
-         Merda!
(o cara da porta tá sacando alguma coisa da jaqueta e vai pegar o Lufus pelas costas)
Saquei a Jéssica mais rápido do que eu imaginava que conseguiria. O cara sacou um 38 cano longo.
(de onde o safado tirou essa merda)
Fiquei cabreiro. Talvez o cara não seja tão gordo e esteja com o corpo forrado de armas. Mas o 38 do cara era um revólver e a Jéssica uma pistola. Eu fui mais rápido e o IML vai ter de catar os pedaços do cara até Guaíra. Um balaço no meio do peito. O gordão foi arremessado com prateleira e tudo pra fora do bar.
- Esse aí não incomoda mais.
O Lufus nem viu o que tinha rolado atrás dele. Ele já tinha se jogado pra trás do balcão enquanto a saraivada de balas não parava.
- Porra! Deram uma metralhadora prum imbecil. O cara vai destruir o bar inteiro e não vai acertar ninguém, muito menos levar a grana.
Fui me arrastando por debaixo do que restava de algumas mesas e vi do outro lado do bar o chefinho armando uma escopeta. A namoradinha do número 2 estava de pé ao lado da porta do banheiro, logo atrás do animal com a metralhadora. O número 1 está desmaiado no chão, mas vai acordar daqui a pouco. Pensei no Lufus. Agora é a hora da gente inventar alguma coisa e acabar com esses pilantras.
Foi eu pensar em alguma coisa quando saiu voando detrás do bar uma garrafa de um whisky vagabundo
(o Lufus sabe preservar o patrimônio)
e espatifou do outro lado do restaurante. Os dois idiotas começaram a atirar naquela direção. Entendendo o que o Lufus queria, levantei.
- A Jéssica vai adorar te conhecer.
Dois tiros. Um no braço que segurava a metralhadora e outro na perna. Não queria matá-lo, ainda tínhamos muito o que conversar depois da confusão.  Lufe num pulo ficou em cima do balcão, sacou os dois 38 canos longos que ele carrega, como ele mesmo diz, “Um no coração e outro na retaguarda”, e fuzilou o chefinho. O cara não teve tempo nem de se assustar. Esse vai ser outro que o IML vai ter dificuldades de identificar.
- Temos um problema, Lufe.
Gritei debaixo de uma mesa.
- Qual, Linhaça?
A voz do Lufe já tinha se alterado. Ele já tinha sido dominado pela besta.
- Merda! Agora é que morre todo mundo.
Olhei por cima da mesa e o animal do Lufus já estava em cima do cara que eu economizei rasgando o peito dele com uma faca que ele deve ter tirado do cara. Foram algumas estocadas. O cara apagou na primeira, mas levou mais algumas de brinde, pra aprender a não ser otário de entrar numa casa de família com uma metralhadora e achar que está no parque de diversões.
O travesti sumiu. Comecei a matutar, pois o Lufus não bate em mulheres, mesmo sendo um travesti. Então daqui a pouco esse cara deve aparecer de surpresa e o Lufus não vai fazer nada.
- Lufus, você tá legal?
- Agora é com você maninho. Na menina eu não encosto.
A voz tinha mudado. Estava voltando ao normal.
- Feito. Então vamos encontrá-la.
A velha do bar assoviou e fez um sinal pra mim dizendo que ela estava dentro do banheiro feminino. Apontei o banheiro feminino pro Lufus.
- Eu não entro lá. Vai você.
- Ok.
Fui me arrastando devagar até o banheiro feminino que ficava logo ao lado do masculino onde o Lufe, agora, se recompunha da briga e limpava as tripas que estavam por cima dele. Devagar me aproximei e já senti o cheiro fétido dos perfumes baratos que são comuns em lugares como o que estamos. Ela deve estar lá dentro.
- Pode sair, dona. O teu bando já era.
Eu estou querendo poupar alguém pra fazer uma Entrevista e acho que vai dar certo com essa moça. Não é comum moças nas nossas caçadas. Isso vai ser bom porque o Lufe não vai nem querer chegar perto dela na Entrev...
POW POW POW!!!
- Cacete! Ela tá atirando!
Três tiros na minha direção vindos do banheiro. Pelo barulho, uma Glock 380, fácil de levar na bolsa, típica arma de quem trabalha na noite. Mas faz um estrago. Então, fiquei quieto por uns segundos. Me arrastei pra perto do banheiro. Ela deve estar me vendo. O Lufus saiu do banheiro masculino mais limpo. Olhei pra ele e fiz um sinal pra que ele fizesse algum barulho. Ele sacou a idéia e se jogou atrás de uma mesa como se eu tivesse corrido pra lá. Ela não entendeu a piada e meteu a cara pra fora do banheiro pra ter mais ângulo e mandou ver mais três tiros. Eu só precisei de um. Jéssica não falha nunca.
Revistamos os caras. O número um tinha começado a acordar e o Lufus pisou “sem querer” no seu pescoço: já era!
- Foi mal, Linhaça. Não vi o cara e pisei nele sem querê.
É sempre assim. Uns por querer e outros sem querer. Pura diversão.
Os safados tinham um arsenal. Acho que eles queriam assaltar a Casa da Moeda. Amadores! A polícia chegou logo depois. A velhota do bar nos agradeceu e mandou de brinde três PF. Arrumamos uma mesa e saboreamos o jantar.
- É uma pena que ela tenha botado só a cara pra fora.
- Mandou bem, Linhaça. A safada ia arrepiá nós dois e você sabe que eu não ia fazer nada.
- Você tem que rever esse teu conceito, Lufus.
- Não dá, maninho. Mulher é mulher, cê sabe como é.
- Sei.
- Detetives, vocês acabaram de me dar um conto perfeito. Já tenho todas as imagens anotadas.
- Genial, Flores! De fã eu passei a ser tua inspiração.
- Vou publicar um conto e homenagear vocês dois.
- Hehe, manêro, hein, Linhaça?.
Comemos.
- Vâmbora.
- Você dirige?
Pergunta retórica.
- Claro... que não!
Fomos pro carro.
- Ô, Linhaça. Quanto tempo até Guaíra?
- Mais duas horas e meia. Dorme!
Lopes meteu a minha cobertura nos olhos e dormiu. A polícia limpava o local. O Flores anotava mais um monte de coisas. Recostei no capô do Santanão, acendi um cigarro. Tinha de esperar o bode do jantar passar. Por um tempo fiquei olhando a lua. Voltei pro carro e fomos embora.
Não devíamos ter parado naquele restaurante. Já são duas da manhã. Eu não conheço Guaíra e o Fúlvio dorme. O Flores voltou. Entramos no carro e fomos embora. Três horas depois tínhamos chegado na cidade.
- Vou rodar por uns minutos pra ver se encontro algum lugar pra ficar. A cidade é estranha, ou pelo menos está com uma cara estranha. Um clima meio nebuloso. Garoa fraca e está mais frio do que devia.
- Guaíra é assim, Detetive.
Disse o Flores que já tinha acordado.
Acordei o Lufe.
- Ei, acorda!
Ele resmungou feito criança, virou de lado e continuou dormindo.
- Acorda, Lufe. Vâmo cacete. O lugar é sinistro e só você sabe aonde temos de ir.
O Lufe começou a acordar. Tirou a cobertura do rosto, esfregou os olhos, pôs os óculos e levantou o banco.
- Pô, Linhaça, eu tava num sonho bacana com uma moça e coisa e tal, sabe como é... Caramba, já tâmo em Guaíra? Porque você não me acordô?
- Aonde fica a pousada?
- Segue em frente. É mais logo alí.
Dos dois lados da estrada mato e mais mato. Muitos pinheiros. Os caules todos muito próximos dificultavam a visão. Fui seguindo devagar para conhecer melhor o lugar. Do lado esquerdo, ao fundo, a mais ou menos uns 500 metros donde estávamos vimos uma casa. A luz da varanda estava acessa.
- É uma pequena chácara, Linhares.
- Sabe de quem é?
- De um casal de velhinhos, Seu Horácio e Dona Thelma.
Disse o Flores.
- E são suspeitos de alguma coisa.
- Talvez, de viver em paz no canto deles.
Um cheiro forte de esterco começou a invadir o ar. Começou a diminuir a quantidade de árvores e um enorme pasto com milhares de cabeças de gado se apresentou para nós. Vários galpões espalhados pela campina denunciavam uma enorme fazenda. Coisa grande.
- Essa fazenda é do prefeito.
- Dá pra imaginar como ele a comprou.
- Hehe.
- E esse prefeito? Pelo jeito ele tem parte na estória.
- Eu acho que não. Ele parece não saber do que acontece por aqui. Mas com esse poderio todo acho que o cara pode estar por trás de algo maior, saca?
- Eu imagino. Mas se for alguma coisa ilícita ele jamais ostentaria tanto.
- Acho que tem há ver também com política e não só com drogas e coisa e tal...
- Pra mim todas as coisas estão associadas. Aonde tem merda, tem mosca.
Passamos a fazenda do prefeito e chegamos numa encruzilhada. Uma placa velha de madeira indicava Guaíra 2km à frente; para o lado direito mais fazendas e pro lado esquerdo, a duzentos metros a tal pousada Flor da Serra.
- Muito bom, Lufe.
- Que?
- O cartão de visitas da cidade é uma encruzilhada.
- Hehe. Sabia que você ia dizê isso. Todo mundo que chega aqui na cidade fala disso.
- Alguma coisa estranha com essa encruzilhada?
- Que eu saiba nunca aconteceu nada por aqui. É muito óbvio que algo aconteça, não acha?
- Pode ser.
Pegamos a esquerda e seguimos até a Pousada Flor da Serra. Estacionei o carro na frente da Cantina. O Lufus foi primeiro com o Flores. Eu fiquei fora da pousada mais alguns minutos averiguando o espaço. Mais um cigarro.
- Muito mato em volta.
Barulhos de bichos, insetos e afins começaram a me confundir.
- Fica difícil prestar atenção em algo quando o barulho vem de todos os lados.
Muitos vagalumes formavam pares de olhos no fundo escuro da floresta. Um festival de luzes amarelinhas.
- Em princípio muito bonito não estivesse eu investigando tráfico de droga, homicídios e outras cositas más.
Aliás, isso me cheira confusão, pois, ninguém foi morto, ainda. Temos suspeitas de que algo estranho acontece por aqui, mas, de fato, ainda não temos nada. A tal Katrina não me saiu da cabeça a viagem inteira. E o que eu vi no restaurante do Tony foi de fato muito suspeito. Apenas eu vi. O Tony disse que nunca tinha visto aquela moça e que lembraria se alguém, como ele mesmo disse, “gostosa”, aparecesse por lá sempre. Os garçons também não viram nada. O cara que trabalha na entrada nem notou alguma “gostosa” no restaurante. As pessoas em volta pareciam não ter notado sequer que a temperatura tinha mudado. Então, eu já não sei ao certo se foi delírio meu ou se de fato alguma coisa estranha realmente aconteceu naquele dia. O importante é que eu sinto cheiro daquele bilhete neste lugar e é isso que eu vou averiguar amanhã pela manhã.
- Ô, Linhaça. Chega mais. Você tem de assiná uns papéis aqui.
- E pagar, também.
- Hehe. É isso aí, maninho.
- Você pegou um quarto só, não é?
- Claro. Estamos em missão.
- Bom.
- Como eu dormi no carro, acho que posso ficar acordado o primeiro turno e dar uma estudada em algumas coisas. Eles tem uns computadorzinhos aqui. Eu posso fazer uns mapas dos bares, da prefeitura, enfim, dar uma geral pra gente fazer uma correria amanhã.
- Mandou bem, Lufe. Eu vou tomar um café e vou me deitar.
- Nem um banhinho?
- Você sabe que eu detesto tomar banho à noite. Me tira o sono.
- Hehe. Pode crê. Eu vou pegar uns jornais e ver esse tal mapa. Sonhe comigo.
- Hehe.
O Flores já estava sentado em uma mesa revendo suas anotações. Eu fui deitar.
Quarto 212. Segundo andar. O lugar é agradável. Uma casa antiga com a recepção logo na entrada à esquerda e uma porta ao fundo que leva pro restaurante. Do lado direito um pequeno saguão de aguardo com televisão, sofá de três lugares, jornais e algumas revistas, mais dois computadores com uma impressora, onde o Lufe se sentou para pesquisar. Um corredor logo depois da recepção leva aos quartos do andar de baixo e uma escada ao leva segundo andar. Corredores de carpete.
- Merda. Minha rinite vai atacar como de costume.
Dobrando a escada um enorme quadro na parede. Uma pintura barroca: uma rocha no topo de uma colina e um homem no sentado no topo dela de costas vendo a lua cheia, que é enorme na pintura e fica ao fundo ocupando boa parte do quadro.
- Que quadro jacu! Talvez, umas violetas roxas em volta dele pudessem piorar.
Meu humor está um pouco alterado. Quase vinte e quatro horas sem dormir. A escada termina no começo de um corredor que leva para todos os quartos do segundo andar. No começo do corredor e no fim, dois enormes janelões que abrem pra fora, cada um tendo mais ou menos dois metros de altura, por um e oitenta de largura. Por eles dá pra ver, do lado da escada, o estacionamento e a frente da pousada, e na janela do final do corredor, o fundo do lugar que dava pra floresta. Está muito escuro e não consigo ver nada, apenas os vagalumes e as corujas e mais um monte de pequenas coisas se mexendo numa espécie de ballet madrigal.
- Quarto 212. O último do corredor logo à frente do 211. Perfeito. Longe de tudo e de todos.
O quarto tinha duas camas de solteiros um pouco maiores que o normal, o que seria ótimo para ambos: eu caibo numa de solteiro, mas o Lufus só cabe em camas grandes. Essas duas já resolvem nossos problemas. O banheiro fica logo na entrada do quarto à direita: chuveiro à gás.
- Perfeito!
Uma mesa com televisão, um armário, enfim, tudo o que um quarto de hotel tem de ter e, o mais importante, uma janela grande no quarto que leva para a floresta. Fiquei alguns minutos ainda olhando a floresta, enquanto matava o meu último cigarro do dia.
- Ela me intriga.
Deitei e apaguei.

(continua)



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