desenho de Robert Fudd Bewusstsein
- Merda! Essas cicatrizes são enormes! Não me lembro de nada depois que a
Jéssica veio em meu socorro.
A última lembrança é a do Boaventura
me dando um troço estranho pra tomar. O cara tem seus truques. Barulho no
elevador. Pelo peso da caminhada...
- Man, adivinha quem chegou? Há!
- Pelo andar da carruagem...
Abri a porta. Fúlvio Lopes. Inteiro.
- Aí, Linhaça, tortinhas de
requeijão, café, cigarros, e eu... todinho pra você. Há!
Eu já estava com saudades do Lufe.
Ele ficou uns dias na casa do Flores “revendo certos conceitos”. Pra mim eles
estavam de namorico às escondidas.
- Aprendi umas paradas novas sobre a
tal Licantropia. Agora eu quero vê! Vâmo pegá todos os safados da cidade e botá
esses caras pra durmí, Linhaça. E essas cicatrizes, man?! Uau! Os caras te
arregaçaram, hein? Dêxa o papai dá uma olhada.
- Vai de leve, essas feridas ainda
doem.
- Tadinho do Linhaça. Hahaha!
- E as novas?
- Saí de Inércia por alguns dias,
pra dar uma olhada pelo centro, mas acho que as coisas estão meio devagar. O
chefe de polícia ligou pedindo ajuda com o idiota do Carne Seca.
- A gente tem que pegá esse cara,
Linhaça. Tô sabendo que ele tá botando pra fudê na área.
- Pois é. Mas o cara não é burro.
Falei com a patrulha da noite na Cruz Machado e parece que os caras tão
dominando a região.
- E o Cavêra?
- Que que tem?
- Não tá sabendo de nada?
- Esse filho-da-puta passa a maior
parte do tempo com o crack no cérebro, não articula mais do que duas frases.
- Mas ele deve sabê de alguma.
- Também acho. Difícil é fazê o cara
falá.
- Hehe, dêxa comigo, Linhaça. Vâmo
fazê uma batida hoje à noite.
Vesti a roupa.
- Esses ferimentos tão nojentos.
Pegamos o Inércia e fomos dar uma
volta pela região da Catedral.
- E essa luzinha nova?
- Assisti um filme esses dias e o
cara da polícia tinha uma igual. Você põe em cima do retrovisor e serve como
holofote.
- Genial, man. A gente podia meter
uns giroflex na viatura, o que você acha?
- Bichice de polícia. Todo mundo já
conhece a gente. Giroflex é pra decorá putêro.
- Vô dá essa idéia pra Mamá. Olha
ali, Linhaça. Do outro lado da rua.
O Cavêra estava dando umas
cambaleadas de um lado para o outro da rua. A pedra estava fazendo efeito.
- Pára aí, vâmo falá com ele.
- Bóta ele pra dentro do carro. Vâmo
dá uma voltinha.
O Lufus meteu o Cavêra pra dentro do
carro e saímos com ele em direção a lugar nenhum.
- É só esperá a pira passá e a gente
faz uma entrevistinha com ele.
Fomos até o escritório. O cara
estava retardado demais pra ficar rodando com a gente pelas ruas. Amarramos ele
numa cadeira. Cafés, cigarros. Revistamos o safado.
- O que ele tem nos bolsos?
- Duas pedras, um baseadinho pra
baixá a nóia, umas gramas de pó...
- Muita coisa pra consumo próprio,
não acha?
- Hehe, Linhaça. Primeiro, você.
Estética da gracinha. Mandamos o pó do cara e ficamos ali esperando mais
uns minutos.
- Até que o bagulho é bom.
- Éééé... Fazia tempo, hein, man?
- Aquela porra de Guaíra tirou nosso
foco da cidade.
- Mas agora tâmo na ativa de novo.
- E o Flores?
- Tá lá enfiado na cabana dele. Ele
tira os vinte dias sem lua pra escrevê e tal. Fica lá sozinhão pirando nas
coisas dele.
- Ele manda bem nos contos dele.
Chegou a ler alguma coisa dele?
- Li uma revistinha que tinha lá por
cima, uma tal de Lodo. Ele escreve uma vez por mês pros caras. Não sô muito
chegado nessas merdas, mas as paradas que ele escreve são coisa de gente
grande.
- São a vida dele, Lufe.
- Póde crê. Ele tava até preparando
algumas coisas sobre Guaíra.
- Hehe, o Flores não perde tempo.
- Até disse pra ele que se ele fosse
colocá a gente nos contos que me fizesse mais phódão, tá ligado?
O Cavêra começou a resmungar.
- Aê, Linhaça, o piá tá acordando.
- Ei, que tá rolando? Porra! Vocês
dois?! Qualé, porra, eu não fiz nada!
- Cavêra, Cavêra...
Falei mexendo nas coisas que
tínhamos tirado dos bolsos dele.
- ...muita coisa prum aviãozinho,
não acha?
- Daonde, cara?! Isso aí é pra mim.
- E você usa tudo sozinho?
- Pois é, Cavêra. Essas paradas
todas vão acabá te derrubando.
- Pô, caras, tô falando, a parada é
minha.
- Cavêra, a parada é a seguinte:
tâmo atrás do Carne Seca! Cadê o safado?
- Porra...
PAF! O Lufus aplicou um tapa de
canhota na cara dele.
- Ô, piá! Cê fala muito palavrão pra
quem tá amarrado numa cadêra, sabia? Que cê acha de respondê as pergunta e se
mandá, hein?
- Fala, Cavêra! Cadê o Carne?
- Olha, Linhares...
PAF! Outro tapa do Lufus.
- Linhares, meu querido? Cadê o
respeito com os detetives?
- Foi mal, Detetive, é que eu tô
nervoso e daí...
- Cala a boca, Cavêra! Só responde:
cadê o Carne Seca?
- Olha...
O Lufus voltou com uma chaleira de
água quente da cozinha.
- ..ei! que cês vão fazê com isso,
hein? Não, não... pára! Olha, eu falo, eu falo...
Meti a mão dele dentro da água.
- Aaaahhhh!!!!!
- Cadê o Carne Seca?
- Fala duma vez, porra! Cê tá
comprando essas porras da gangue dele não é, piá?
Ele ainda urrava de dor. Mas
raciocinava o suficiente.
- Ei, Lufe, acho que a pira da pedra
passou. O que você acha?
- Olha, Linhaça, acho que mais um
mergulhinho não vai fazê mal pro nosso amiguinho.
O Lufus pegou a outra mão. Às vezes,
eu acho que o Lufe é mágico, de repente o garoto sabia até a fórmula da
coca-cola.
- Eu falo!!! Eu falo!!! Caralho! Eu
falo! O Carne Seca tá montando um esquema cos caras do Parolin. Eu vi o Truta
conversando com eles ontem à noite.
- O Truta, então...
- Aê, Linhaça, conhece esse tal de
Truta?
- Fizemos academia juntos. O
filho-da-puta foi cana na homicídios por um tempo. Não agüentô o tranco. Virô a
casaca um tempo depois. Faz uma cara que eu não vejo o safado.
- Vâmo lá encontrá esse ex-cana!
- Bóra!
- Cavêra, cê fica aqui por essa
noite. Não querêmo você estragando a nossa visita ao Carne Seca.
10 mg de Melatonina e o rapaz vai
dormir até amanhã de manhã. Pegamos o Inércia e seguimos até o Parolin.
(continua)
Nenhum comentário:
Postar um comentário