quinta-feira, 22 de março de 2012

SUJEIRA DA BRABA, parte 1


 desenho de Robert Fudd Bewusstsein

- Merda! Essas cicatrizes são enormes! Não me lembro de nada depois que a Jéssica veio em meu socorro.
            A última lembrança é a do Boaventura me dando um troço estranho pra tomar. O cara tem seus truques. Barulho no elevador. Pelo peso da caminhada...
            - Man, adivinha quem chegou? Há!
            - Pelo andar da carruagem...
            Abri a porta. Fúlvio Lopes. Inteiro.
            - Aí, Linhaça, tortinhas de requeijão, café, cigarros, e eu... todinho pra você. Há!
            Eu já estava com saudades do Lufe. Ele ficou uns dias na casa do Flores “revendo certos conceitos”. Pra mim eles estavam de namorico às escondidas.
            - Aprendi umas paradas novas sobre a tal Licantropia. Agora eu quero vê! Vâmo pegá todos os safados da cidade e botá esses caras pra durmí, Linhaça. E essas cicatrizes, man?! Uau! Os caras te arregaçaram, hein? Dêxa o papai dá uma olhada.
            - Vai de leve, essas feridas ainda doem.
            - Tadinho do Linhaça. Hahaha!
            - E as novas?
         - Saí de Inércia por alguns dias, pra dar uma olhada pelo centro, mas acho que as coisas estão meio devagar. O chefe de polícia ligou pedindo ajuda com o idiota do Carne Seca.
            - A gente tem que pegá esse cara, Linhaça. Tô sabendo que ele tá botando pra fudê na área.
            - Pois é. Mas o cara não é burro. Falei com a patrulha da noite na Cruz Machado e parece que os caras tão dominando a região.
            - E o Cavêra?
            - Que que tem?
            - Não tá sabendo de nada?
          - Esse filho-da-puta passa a maior parte do tempo com o crack no cérebro, não articula mais do que duas frases.
            - Mas ele deve sabê de alguma.
            - Também acho. Difícil é fazê o cara falá.
            - Hehe, dêxa comigo, Linhaça. Vâmo fazê uma batida hoje à noite.
            Vesti a roupa.
            - Esses ferimentos tão nojentos.
            Pegamos o Inércia e fomos dar uma volta pela região da Catedral.
            - E essa luzinha nova?
            - Assisti um filme esses dias e o cara da polícia tinha uma igual. Você põe em cima do retrovisor e serve como holofote.
            - Genial, man. A gente podia meter uns giroflex na viatura, o que você acha?
            - Bichice de polícia. Todo mundo já conhece a gente. Giroflex é pra decorá putêro.
            - Vô dá essa idéia pra Mamá. Olha ali, Linhaça. Do outro lado da rua.
            O Cavêra estava dando umas cambaleadas de um lado para o outro da rua. A pedra estava fazendo efeito.
            - Pára aí, vâmo falá com ele.
            - Bóta ele pra dentro do carro. Vâmo dá uma voltinha.
            O Lufus meteu o Cavêra pra dentro do carro e saímos com ele em direção a lugar nenhum.
            - É só esperá a pira passá e a gente faz uma entrevistinha com ele.
            Fomos até o escritório. O cara estava retardado demais pra ficar rodando com a gente pelas ruas. Amarramos ele numa cadeira. Cafés, cigarros. Revistamos o safado.
            - O que ele tem nos bolsos?
            - Duas pedras, um baseadinho pra baixá a nóia, umas gramas de pó...
            - Muita coisa pra consumo próprio, não acha?
            - Hehe, Linhaça. Primeiro, você.
Estética da gracinha. Mandamos o pó do cara e ficamos ali esperando mais uns minutos.
            - Até que o bagulho é bom.
            - Éééé... Fazia tempo, hein, man?
            - Aquela porra de Guaíra tirou nosso foco da cidade.
            - Mas agora tâmo na ativa de novo.
            - E o Flores?
            - Tá lá enfiado na cabana dele. Ele tira os vinte dias sem lua pra escrevê e tal. Fica lá sozinhão pirando nas coisas dele.
            - Ele manda bem nos contos dele. Chegou a ler alguma coisa dele?
            - Li uma revistinha que tinha lá por cima, uma tal de Lodo. Ele escreve uma vez por mês pros caras. Não sô muito chegado nessas merdas, mas as paradas que ele escreve são coisa de gente grande.
            - São a vida dele, Lufe.
            - Póde crê. Ele tava até preparando algumas coisas sobre Guaíra.
            - Hehe, o Flores não perde tempo.
            - Até disse pra ele que se ele fosse colocá a gente nos contos que me fizesse mais phódão, tá ligado?
            O Cavêra começou a resmungar.
            - Aê, Linhaça, o piá tá acordando.
            - Ei, que tá rolando? Porra! Vocês dois?! Qualé, porra, eu não fiz nada!
            - Cavêra, Cavêra...
            Falei mexendo nas coisas que tínhamos tirado dos bolsos dele.
            - ...muita coisa prum aviãozinho, não acha?
            - Daonde, cara?! Isso aí é pra mim.
            - E você usa tudo sozinho?
            - Pois é, Cavêra. Essas paradas todas vão acabá te derrubando.
            - Pô, caras, tô falando, a parada é minha.
            - Cavêra, a parada é a seguinte: tâmo atrás do Carne Seca! Cadê o safado?
            - Porra...
            PAF! O Lufus aplicou um tapa de canhota na cara dele.
            - Ô, piá! Cê fala muito palavrão pra quem tá amarrado numa cadêra, sabia? Que cê acha de respondê as pergunta e se mandá, hein?
            - Fala, Cavêra! Cadê o Carne?
            - Olha, Linhares...
            PAF! Outro tapa do Lufus.
            - Linhares, meu querido? Cadê o respeito com os detetives?
            - Foi mal, Detetive, é que eu tô nervoso e daí...
            - Cala a boca, Cavêra! Só responde: cadê o Carne Seca?
            - Olha...
            O Lufus voltou com uma chaleira de água quente da cozinha.
            - ..ei! que cês vão fazê com isso, hein? Não, não... pára! Olha, eu falo, eu falo...
            Meti a mão dele dentro da água.
            - Aaaahhhh!!!!!
            - Cadê o Carne Seca?
            - Fala duma vez, porra! Cê tá comprando essas porras da gangue dele não é, piá?
            Ele ainda urrava de dor. Mas raciocinava o suficiente.
            - Ei, Lufe, acho que a pira da pedra passou. O que você acha?
            - Olha, Linhaça, acho que mais um mergulhinho não vai fazê mal pro nosso amiguinho.
            O Lufus pegou a outra mão. Às vezes, eu acho que o Lufe é mágico, de repente o garoto sabia até a fórmula da coca-cola.
            - Eu falo!!! Eu falo!!! Caralho! Eu falo! O Carne Seca tá montando um esquema cos caras do Parolin. Eu vi o Truta conversando com eles ontem à noite.
            - O Truta, então...
            - Aê, Linhaça, conhece esse tal de Truta?
            - Fizemos academia juntos. O filho-da-puta foi cana na homicídios por um tempo. Não agüentô o tranco. Virô a casaca um tempo depois. Faz uma cara que eu não vejo o safado.
            - Vâmo lá encontrá esse ex-cana!
            - Bóra!
           - Cavêra, cê fica aqui por essa noite. Não querêmo você estragando a nossa visita ao Carne Seca.
            10 mg de Melatonina e o rapaz vai dormir até amanhã de manhã. Pegamos o Inércia e seguimos até o Parolin.

(continua)

Nenhum comentário:

Postar um comentário