sexta-feira, 16 de março de 2012

Investigação no Boqueirão, última parte


Lua cheia em Guaíra vista do Big Bróder

CHACINA EM GUAÍRA

Dormi como uma pedra. Havia dias que não dormia bem. Estava um pouco apreensivo com a chegada em Guaíra. O Lopes me deixou dormir. 09:00 da manhã. Eles já devem estar acordados. Tomei um banho. Me vesti e fui ao encontro do Fúlvio e do Flores. Eles estavam do lado de fora da pousada com um mapa aberto em cima do capô do Inércia, discutindo direções e ações a serem tomadas para o dia e a noite de hoje.
- Pelo jeito as coisas não passam de hoje.
- Bom dia, detetive. Estávamos aqui pensando em algumas ações.
- E aê, Linhaça. Seguinte, o Florestano tem uns negocinhos pra resolver aqui em Guaíra com um tal de Sacerdote sei lá das quantas. A parada é quente.
Sempre imaginei algo por trás do grande interesse do Flores em nos acompanhar até Guaíra. Vamos ver o que ele tem a dizer.
- Nunca quis expor meus motivos a vocês dois, mas agora tenho bastante confiança e acho que não tem...
- Desembucha, man!
O Flores sempre se enrola pra começar a contar alguma coisa.
- Ok, ok. Vocês sabem que dominei a fera com a literatura e que como lobisomem eu ataco apenas a escória da sociedade, mas eu sempre quis saber até onde isso ia e, um dia, conheci um senhor bem mais velho, uma espécie de ermitão, que me disse que havia uma cura pra tal da Licantropia.
- Linhaça, Licantropia é uma parada de maldição que afeta apenas os sobreviventes das mordidas de lobos, tá ligado?
- Ainda bem que só os sobreviventes, não acha?
- Hehe.
- Então, eu resolvi sair em busca da tal da cura e descobri que existe...
O Flores começou a sussurrar e olhar pros lados. Preocupado com algo. Fiquei atento.
- ...um velho, quer dizer, eu acho que é um velho, porque esses caras são sempre velhos, enfim, que mora em algum lugar aqui de Guaíra e que diz saber a cura pra Licantropia.
- Ok, e você vai atrás desse velho enquanto a gente acaba com o bando do Cezinha Maluco.
- É isso aí, Linhares.
- Só que tem uma coisa, maninho. Eu vô junto. Eu tô a fim de ver qualé essa tal de cura. Cê tá ligado, né Linhaça? E era sobre isso que a gente tava falando quando você chegô.
- E qual é o plano?
- A gente vai atrás desse Sacerdote maluco...
(todos são malucos em Guaíra...)
Pensei.
- ...enquanto isso, você vai dar uma olhada no Big Bróder, vê o que rola por lá, sei lá, fazer o teu trampo de detetive, saca?
- E?
- E tudo isso de dia ainda. De noite a gente se encontra na frente do Big Bróder, entra armado até os narizes e arrebentâmo com aqueles safados! Há!
- E vocês estão bolando esse plano genial há quantas horas?
- Pó, Linhaça! Qualé?! Plano genial!!
- Certo. Achei bom, mesmo. Só tenho uma pergunta.
- Manda.
- Vocês avisaram os caras que vai ser assim?
- Que?
- Pois é, pra facilitar desse jeito eles tem que saber que a gente tá indo e que vâmo acabá com eles.
- Porra, Linhaça! O plano é bom. A gente não precisa criá estratégias tipo FBI pra matá esses caras. A gente chega lá, saca as armas, dá uns pipoco e pronto, porque nós dois vâmo tá de lobisomen.
- É, Linhares. Hoje é o primeiro dia de lua cheia. A gente vai ver o Sacerdote, pegar a cura, vai pro Big Bróder e faz a Chacina.
- Cacete, vocês moram em que planeta? Os caras quase mataram o Lufus uma vez. Vocês acham que eles não sabem que estamos aqui? A cidade é dos caras! Olha o tamanho da fazenda do prefeito. Claro que deve ter uma mancomuna grande aqui dentro. E esse Sacerdote? Você acha que um cara que sabe a cura da Licantropia bota uma barraquinha na frente de casa e vende igual limonada?
- Pó, Linhaça, não fica de cara.
- Não tô de cara! Só não quero vê meu rabo sendo desintegrado por um bando de lunáticos dentro de um bar chamado Big Bróder com D!
- Haha! Boa, Linhaça.
- Vamos fazer o seguinte: eu vou dar uma averiguada nesse bar agora de dia e a gente se encontra no final da tarde...
- Tem uma quebrada perto do bar, um beco. A gente pode se encontrar lá.
- Boa, Flores. Então no final da tarde a gente se vê.
Os dois saíram a pé em direção a Floresta. Um Sacerdote deve morar no meio da Floresta. Entrei na Pousada e peguei um café num copo de plástico e saí dar uma volta de Inércia pela cidade. Não é nada discreto, mas a essa hora todo mundo já sabe desses três estranhos que caminham pela cidade. Soou meio poético esse pensamento... Acho que hoje eu estou meio poético.
Parei o Inércia logo no começo da cidade e saí dar umas voltas a pé. Parei em frente a uma praça com igreja no meio: típico. Um bar, uma banca de revistas, uma agência do Correio, um açougue, um Banco do Brasil... típico. Sentei no botequinho da esquina e pedi um café. Um cigarro, papel, caneta, e concentração. Pelo tipo físico das pessoas eu consigo identificar o que cada um faz. Quero ver quem vai me levar até o Big Bróder com D (ridículo).
Algumas pessoas caminhando pela rua, mas ninguém de fato me interessa. Dois meninos brincando me chamaram a atenção. Fui até eles.
- Ei! A conta, Dotô!
Merda!
- Me desculpe, meu senhor. Quanto é?
- É um real.
Acertei a minha conta e fui ver os meninos.
- Daê, piazada.
- E aê, tio!
- Como é o nome dessa Igreja?
- Igreja do...
Disse um, e o outro completou.
- ... Jesus de Deus Salvador Nosso Senhor.
(opa, essa seita é nova!)
- Legal. E porque que ela tem esse nome comprido?
- Ah, sei lá, tio, vai vê que é por causa do Jesus que veio salvá a gente e...
E o outro emendou.
- ... e daí ele quis esse nome por causa do pai dele.
- Que pai?
- Deus!
Disseram os dois ao mesmo tempo. Eu estava tentando ganhar a confiança e o papo dos dois. Acho que até de noite eu chego lá.
- Não entendi. Deus é o pai do Jesus que vem salvá a gente?
- É.
- Aahh, por isso o nome é Salvador?!
- É, tio. Té parece que não sabe!
- O que?
- Nada. Cê não sabe nada.
- E porque eu deveria saber?
- Porque aqui na cidade todo mundo sabe.
- Do que?
Um caminhão de divulgação da prefeitura passou nesse momento pela praça no último volume vendendo a imagem do tal prefeito. Na lateral do caminhão a campanha de reeleição: “Só Jesus Salva! Vote Castor para prefeito! Cézar Silva para vereador!
Comecei a ter convulsões por dentro. Alguém berrava dentro do meu coração. Nossa! Pensei isso, mesmo? Que merda de poesia é essa?
- Então, esses são os salvadores?
- É, tio. O Cezinha é legal!
- Ele compra um monte de coisa pá gente.
- Coisas...?
- Bala...
- ...bolacha...
- ...doce...
- O Rafinha até ganhou uma bicicleta no natal!.
- Poxa vida, que legal. Eu queria conhecer esse Cezinha! Onde ele mora?
- Num sabêmo.
- Ele tem um bar. A gente pode te levá lá!
- Me mostra onde é que eu vô depois. Agora eu vô encontra minha mãe que não tá bem. Ela tá no postinho faz dois dias, tadinha...
- Que que ela tem?
- Tá com um negócio no coração. Mas o médico disse que tá tudo bem e que ela vai ficá bem. Acho que não dá nada.
- Tá bom, então.
- Olha, tio. Você tem que ir pra lá e depois andá um pouco e vai até lá e virá pra lá daí você já vai vê porque tem um monte de luz e é bem massa. A nossa mãe não deixa a gente í lá.
- Olha, piás. Toma aqui dois pila. Cheguem ali no balcão e peçam pro tio arranjá umas bala e uns refris pra vocês. Fica de presente tá bom?
- Valeu, tio.
- Tchau, tio.
Segui a indicação dos dois meninos e fui parar num pé de serra. Lá estava: Big Bróder. Uma casa de madeira marrom claro de tamanho médio, com espaço para estacionar na frente. Uma varanda de madeira, algumas janelas. Pouca vegetação, poucas árvores. Uma porta à frente e outra aos fundos. Telhado comum de barro. Vasculhei mais o lugar e nada. Aparentemente, um lugar comum. Não muito grande significa que não cabem muitas pessoas, o que por um lado pode ser bom, porém, não tenho a mínima idéia do que se passa por aqui depois que o sol se vai por detrás da serra (eu acho que botaram merda no meu café da manhã).
Voltei para a Pousada. Peguei o mapa que o Lufus tinha impresso e realmente, não há como chegar ao BB sem dar as caras. O lugar não tem onde se esconder. Não que eu queira, mas talvez, a única alternativa seja entrar com o pé na porta e matar todo mundo bem rápido, sem dor. Ou não. O Flores falou que hoje é a primeira noite de lua cheia. Acho que ele quer aproveitar o fator lobo pra pegar o tal sacerdote. Bem que eles podiam entrar no bar quebrando tudo na forma de lobos... mas o Lufus não controla a fera... Ele vai se tornar uma arma na mão de uma criança. Eu vou pagar pra ver. Espero que eles saibam o que estão fazendo.
Fiquei na Pousada até o começo do fim de tarde. Carreguei todas as armas com balas normais e a Jéssica e sua amiga com balas de prata. Eu estava me sentindo o Rambo. Nunca carreguei tantas armas ao mesmo tempo, nem mesmo para pegar o bando do Carne Seca lá em Curitiba. O Inércia estava até meio torto de tanto armamento. Mas, também, nem sei pra que tanta coisa. Como diz o Lufus, “a gente só tem duas mão mesmo”. E fui em direção ao Big Bróder.
A cidade estava completamente vazia. Nem aqueles fenos de filme de faroeste passavam na minha frente. O vento não soprava. O sino da Igreja estava parado. Somente a penumbra que se abatia por Guaíra. A noite vinha se anunciando lentamente. E eu estava prestes a entrar sem saber se iria sair. Meio clichê essa visão, mas era o que estava acontecendo. E tinha cheiro de merda no ar.
Cheguei no BB. Vários carros e caminhonetes estacionadas. Música alta. Muito barulho.
- Eu devia ter trazido umas granadas comigo, ou até mesmo uns explosivos, ou até uma bomba!
Eu já estava delirando. Não estava a fim de morrer nem de perder uma perna ou algo do gênero. O começo do fim de tarde já tinha ido embora junto com toda a poesia do pôr-do-sol e nada dos dois aparecerem.
- Se eu tiver de entrar aí sozinho vai ser mais engraçado. Mas talvez tenha de ser.
Um par de faróis ao longe. Uma caminhonete se aproximava. Estacionou na frente do bar. O motorista desceu, foi até a caçamba e arrancou duas crianças lá de trás. Elas estavam amarradas e amordaçadas.
- Merda! Os dois piás da frente da Igreja. Vô tê de entrá sozinho mesmo!
Saquei duas pistolas e fui até uma das janelas.
- Então qué dizê que vocês dois tão de segredinho cô forastêro?
- Não Cezinha, não fizémo nada.
- O tio só queria sabê o nome da Igreja.
- Não bate em nóis!
O safado pegou um dos piás pelo pescoço e o ergueu do chão.
- Acho que vocês não sabem como funciona o esquema aqui na minha cidade não é mesmo? Perneta! Vai lá avisá a mãe dos moleque que eles não voltam pra casa hoje!
E riu feito um animal. Sua feição mudou da água pro vinho. Esse cara realmente é um animal demoníaco. Com a outra mão ele sacou uma faca e bem devagar começou a ameaçar o piá.
- Filho da puta!
O bar devia ter pelo menos uns trinta caras armados. Não estava rolando nenhuma festinha. Eles estavam preparados pra nossa chegada. Eu não podia correr o risco de fazer uma merda, mas também não podia deixar ele fazer uma atrocidade com os piás.
- Merda!
Ele esfregou a faca na cara do piá. Ele ia arrancar as tripas do piá. Apoiei uma das pistolas no parapeito da janela. Fiz mira.
BAMM!
Um tiro certeiro na mão do Cezinha. Me abaixei e corri pra outra janela. Deu pra ouvir o safado gemendo.
- Caralho! O que tá acontecendo aqui? Tem alguém lá fora. Corram lá! Deve ser o idiota do Lufus com os amiguinhos dele.
Começou um corre-corre dentro do bar. Da outra janela consegui ver que ele largou o piá. A mão dele não sofreu nenhum arranhão. Estranho.
- Apareça, Lufus! Eu quero ter o prazer de não te deixá vivo dessa vez!
Alguns homens vieram para fora do bar.
- Vou ter de me virar sozinho.
Fui espreitando pela parede do bar a espera de algum idiota. Um deles virou a esquina do bar sem cuidar se havia alguém do outro lado. Meti uma coronhada na boca do púlia. Puxei ele pelas pernas e quebrei o seu pescoço.
- Quanto menos barulho eu fizer por enquanto melhor.
Deixei o corpo estendido no chão. Me agachei e olhei pelo canto. Mais três. Dois de costas e um vindo na minha direção. Dois tiros nos caras de costas. Outro no que está correndo. No meio do queixo. Ok.
- Vâmo lá.
BAM!
BAM!
Pescoço e cabeça. Aqueles dois já eram. O outro me viu e disparou três tiros. Me escondi. Por mais idiota que possa parecer, o resto do bando que estava do lado de fora correu pra dentro do bar. Esse veio correndo até mim.
BAM!
Um tiro no peito. Às vezes, meus prognósticos não funcionam. Ele continuou vindo como se nada tivesse acontecido.
- Merda!
BAM! BAM!
Um na perna e ele caiu. Outro no peito. O cara continuava vindo pra cima de mim.
- Que diabos que esse cretino não morre!
BAM!
Cabeça. Parou.
Recarreguei a arma.
- É estranho. Os caras são uns animais.
Uma voz veio de dentro do bar.
- Dexa de sê cagão, detetive. Entra aqui ou os dois moleque vão virá manteiga!!
Olhei por uma das janelas e os dois piás estavam em cima de uma mesa amarrados com um cara com uma serra-elétrica pronta pra fazer picadinho dos dois.
- Ou vocês aparecem ou vâmo te carne pro resto da semana!
A risada foi geral. Eram animais descontrolados rindo. Uma matilha de hienas estridentes e loucas pra saciar sua sede de sangue. Apareci na porta.
- Larga os piás, Cezinha. Já deitei quatro dos seus capangas e vamos apagar todo mundo se você não se render agora!
Mais uma comoção geral. Risos e mais risos, como se todo o lugar estivesse se transformando num inferno de sons e barulhos.
BAM!
Num movimento todas as portas e janelas estavam fechadas. O Cezinha catou uma batata-doce do balcão e a devorou numa mordida.
- Você não tem pronde corrê, Detetive Linhares. Cadê seus amiguinhos. Não vai me dizê que cê veio sozinho nos atacar.
Risada geral.
- Larga a serra e eu poupo todo mundo aqui dentro.
Eu estava com a pistola em riste com o Cezinha na mira.
- O que cê vai fazê? Atirá em mim?
E todos riram. Eles riam demais pro meu gosto. A mão do Cezinha não tinha nenhum arranhão do tiro que eu dei. Esse cara está de sacanagem comigo.
- Presta atenção, detetive. Isso aqui não é a casa da mãe Joana. Isso aqui é o Big Bróder. Minha casa...
O tom da sua voz foi mudando. Tornando-se aterrorizante. A voz de um monstro. Gutural.
- ... ninguém entra aqui falando esse monte de merda e sai vivo, cê me entende? Cê tá querendo pegá a gente com essa pistolinha de brinquedo?
Pisquei. E de repente, todos os seus capangas tinham se transformado em criaturas horrendas, em decomposição: zumbis. Estavam todos transformados em zumbis. Gente feita de carne podre. O que antes eram braços, agora, tinham se transformado em foices, ancinhos, cutelos, potentes armas de corte. O Cezinha ficou com o dobro do tamanho, e seus braços tinham se transformado em duas metralhadoras. Sua boca tinha estourado a carcaça da mandíbula e virado uma espécie de armadilha pra ursos, com dentes de aço, grandes e pontiagudos. Seu corpo mais parecia o de um rottweiler. Ele realmente estava grande.
Mesmo assim disparei um tiro contra seu corpo.
BAM!
- Hahahaha!!! Essas jujubas não fazem nem cócegas em nós, seu verme!
Agora, ele piscou. E em um milésimo de segundos Jéssica veio a meu socorro.
- Que tal você trocar umas palavrinhas com a minha mulher, Cezinha.
A minha Tommy Gun prateada reluziu na luz do bar. Cena de filme japonês. Cezinha parou de rir. Então, todos pararam de rir.
- Aqui tem prata suficiente pra mandar todos vocês pro Inferno, Cezinha! Mas, agora, não espero que vocês se rendam. Agora é que a chacina começa!
BAM!
Um tiro no Cezinha, que com a velocidade de um Lobo se esquivou e se jogou pra trás do bar. Os zumbis começaram a vir pra cima de mim.
- Cadê esses dois cretinos que não chegam nunca?
Eu precisava da ajuda do Lufus e do Flores, mas os caras deviam estar namorando no meio do mato.
BAM!
BAM!
Menos dois zumbis pra contar a história. Só tiros na cabeça. Aquele estágio de sniper na polícia de Israel vai servir pra alguma coisa, até que enfim.
PAM!
Uma martelada no meio das costas. Caí de boca no chão. Virei e um zumbi estava em cima de mim pronto pra arrancar meu cérebro. Uma de suas pernas estava travando meu braço contra o chão.
- Merda! Que morte ridícula!
Passei a vida imaginando uma morte heróica e vou acabar com o cérebro comido por um pedaço de esterco. Me debati, mas o cretino tinha mais força que eu. Eu estava colado ao chão com zumbis sedentps em repartir meu cérebro em um churrasco de zumbis e nada dos dois.
CRASH!
O telhado se rompeu e o Lufus caiu em cima de um zumbi arrancando sua cabeça com o próprio machado do bicho. O Flores entrou voando por uma janela. Entrada triunfal dos dois. Só faltou tocar a música do Super-man. O Flores arrancou o zumbi de cima de mim com um chute e meteu um balaço na cabeça dele.
- Porra! Mas vocês dois não estão transformados!
- Foi mal, Linhares, mas a lua não contribuiu ainda com a gente. Ela ainda não apareceu.
Eu não tinha reparado, mas o tempo estava fechado em Guaíra. Nada de lua, nada de lobisomens.
- Aê, Linhaça!
Gritou o Lufus.
- Não dá nada! Vâmo pro pau assim mesmo.
O Lufus sacou seus dois trinta e oito e começou a mandar balas dentro do bar. O Flores sacou uma 12 recheada de prata e fez uma tempestade no boteco. O Cezinha levantou detrás do balcão. Eu gritei.
- Todo mundo pro chão! O cara tem duas UZI’s nas mãos!
RÁTATATATATATA!!!!!
- Cacete! Deram uma metralhadora pruma criança!
Disse o Lufus agachado atrás de uma mesa. O Flores gritou.
- Rápido, Linhares. Um tiro na mão do canalha!
Eu não consegui nem me levantar por causa da saraivada de balas do Cezinha.
- Não tem como, Flores. Se eu levantar ele arranca minha cabeça.
Por sorte, alguns zumbis foram dizimados pela chuva de balas do Cezinha. Mas ainda tinham uns dez que precisávamos dar conta.
- Merda! Olha lá!
Por trás do bar uma porta se abriu. Devia levar pralgum lugar secreto. Mais uma penca de zumbis entrou no bar. O Cezinha deu uma pausa. O Lufus mandou mais dois pro Inferno. Eu consegui acertar mais três zumbis e tive de parar pra recarregar a Jéssica. O Flores levantou e começou a distribuir chumbo (prata) nos safados. O Cezinha largou as metralhadoras. Seus braços, agora, eram duas espadas de samurais. Ele foi pra cima do Lufus.
- Flores! O Lufus!
O Cezinha estava voando pra cima do Lufus. Ele conseguiu desviar o cão com um chute mas ele era grande demais e não caiu. O Flores deu um tiro de 12 nele e ele pulou pra trás de uma mesa. Um zumbi estava agarrado nas costas do Lufus, tentando meter os dentes na sua cabeça.
Como numa cena de filme as coisas começaram a ficar em câmera lenta na minha cabeça. Eu não sentia mais o meu corpo. Uma vontade absurda de matar começou a tomar conta de mim. Levantei detrás da mesa e fui pra cima dos zumbis feito um leão faminto. Um assassino descontrolado. O Butcher tinha tomado conta de mim. A última imagem que tenho é da mão do Lufus indo em direção ao pescoço do zumbi e se transformando em pata de lobisomen. Olhei pela janela. Lua cheia.
VLÓSH!!!
A cabeça do zumbi voou pelo bar. O Lufus estava se transformando, e o Flores também. Agora quem riu descontroladamente fui eu. O resto da chacina quem me narrou foi o Flores, que era o único sóbrio ali dentro. Segundo ele, eu arranquei o braço de cutelo de um dos zumbis e fui decapitando um por um sem a menor piedade. Eu acabei ficando com vários cortes pelo corpo, que segundo ele, foram golpes dos zumbis que eu acabei não vendo. O Flores deu cabo da outra metade de zumbis e o Lufus foi pra cima do Cezinha no instinto, na fera. Rever velhas questões. O pau foi bom. O Cezinha pulou em cima do balcão e o Lufus voou em sua barriga, mordendo seu estômago e arrancando um pedaço do seu intestino. O Cezinha passou uma espadada nas costas do Lufus e ele o largou. Os dois ficaram se olhando por um milésimo de segundo e o Cezinha num pulo, girando no ar, acertou uma bela espadada na clavícula do Lufus, de cima pra baixo fazendo um corte profundo: espada de prata. Imagino o que deve ter doído. Mesmo assim o Lufus ainda conseguiu puxá-lo pela perna. O Cezinha caiu. O Lufe arrancou um de seus braços e o jogou longe. Por um segundo os olhos se cruzaram. Era o golpe fatal. Uma mordida devastadora no pescoço do rottweiler e o Cezinha ficou agonizando por alguns segundos. O suficiente pro Lufus dividir o seu corpo ao meio. Ponto final. A questão da chácara estava resolvida. O Flores arrastou nós dois pra fora do bar. Diz ele, que estávamos inconscientes ao final da batalha. Eu perdi muito sangue e não sou lobo. Levei um tempo pra me recuperar. O Flores tinha levado algumas ervas junto com ele. Parece que as feridas de prata no Lufus não sumiriam jamais. As plantas ajudaram a cicatrizar, mas a coisa no seu ombro ficou feia.
Não imagino como, mas quando saímos do bar o sol já estava nascendo.
- Aquele não é um lugar comum, Linhares. Coisas estranhas aconteciam lá dentro.
- Acho melhor, então, metermos fogo nessa pocilga.
- Boa, Linhaça.
Eu tinha dificuldades pra me mover. O Flores deu cabo da missão e botou fogo no bar. Eu ainda tive tempo de filosofar.
- Mas, acho que as coisas ainda não terminaram.
- Como assim?
- Primeiro, onde estão as crianças que estavam no bar?
- Eu consegui desamarrá-los e eles fugiram. O que mais?
- Ainda tenho dúvidas sobre a moça do restaurante, a Katrina, e o tal prefeito que não apareceu.
- Póde crê, Linhaça.
Disse o Lufus ainda meio mal.
- Acho que as paradas aqui não acabaram.
- Mas pelo momento temos de ir embora. Vocês dois não agüentam nem ficar de pé.
- Você sabe dirigir, Flores?
- Mais ou menos.
- Pega o Inércia e vâmbora.
- Hahaha!!! Quero vê o Flores dirigindo o Inércia.
- E o sacerdote, Flores?
Os dois se olharam com cara de que não haviam se dado bem. O Flores disse:
- Quando a gente chegar lá na cabana, acendemos um charuto, fazemos um café, e eu lhe conto certinho o que aconteceu.
- Eu faço o café!
Pelo primeiro momento rimos descontraídos. A merda ainda não tinha terminado. Mas o Lufus estava vingado. E por hora, isso era o mais importante.

FIM

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