segunda-feira, 26 de março de 2012

SUJEIRA DA BRABA, parte 2


   
       
            - Ainda tem um pouco da parada que pegamos do Cavêra?
            - Quanta hipocrisia, Linhaça. Há!
            Ainda tínhamos um tiro pra cada um. Ligamos o alerta. Derruba Delinqüente no toca-fitas. Parolin em dez minutos.
            Paramos em frente a uma casa. Classe média. Uns 180 metros quadrados, quintal, três quartos, cozinha, sala, copa, uma bela lavanderia aos fundos com um jardim para secar roupas, dois banheiros e, provavelmente, uma suíte.
            - Rolando uma festinha, então?
            Muitos carros parados na frente da casa. Música alta. Muitas drogas. Pela janela não consigo ver se os caras que estamos querendo pegar estão na casa, mas vamos entrar mesmo assim.
            - Lufus, vai pelos fundos que eu vou aqui pela frente.
            - Ok.
            - Deixa eu mandá mais uma.
            - Há! Já tô vendo a luz.
            - Vâmo entrá!
            Caminhamos até a casa. Lufus foi direto para os fundos. Fui até a porta e bati. Vieram trinta mil papinhos idiotas pra quando algum safado abrisse a porta. Escolhi um e mandei.
            - Boa noite, meu senhor. Eu gostaria de falar com o proprietário, eu estou procurando uma casa para alugar e...
            O cretino bateu a porta na minha cara. Eu não sei donde eu tiro essa idéias idiotas. Alugar uma casa... que animal! Voltei atrás e usei meu estilo, digamos, um pouco mais pitoresco. Acendi um cigarro, meti o pé na porta e fodi com tudo.
            - Todo mundo no chão ou vai chove chumbo!!! Cadê o Carne Seca?
            Todo mundo se jogou no chão. O Lufe entrou na sala.
            - Pelos fundos, nada.
            - Os quartos.
            Pelo jeito ninguém havia saído pela cozinha ou pela lavanderia. Revistamos o banheiro, os quartos menores e deixamos a suíte pro final. Muito provável que o idiota que comanda a festa deva estar enfiado debaixo da cama com o cu na mão, ou algo parecido, um terço, a foto da mãe dele, sei lá.
            Na suíte, nada. O Lufus caminhou pelo corredor que liga o quarto a sala. Eu parei ao lado do armário. Fiz um sinal pra que o Lufe continuasse andando. A porta do armário abriu um pouquinho. O idiota quis espiar. Puxei-o pelo gogó e o coloquei sentado na cama.
            - Humm... colchão d’água. Confortável, você não acha?
            - Hã, que..é...
            Meti um tabefe na cabeça dele.
            - Cadê o Carne?
            - Olha eu não...
            Meti um tabefe na cabeça dele.
            - Cadê o Carne?
            - Peraê eu...
            Meti um tabefe e depois outro tabefe e mais um na cabeça dele.
- Cadê o Carne Seca, meu amigo? Ou você qué perdê o escalpo no tapa?
- Não sei, detetive, a gente tá só numa festinha.
O Lufus entra no quarto com um pacote de cocaína. Acendi um cigarro.
- Humm... Pura!
- Hehe. Aê, Linhaça, acho que os caras tavam dando a festinha do pó em quilo, ou ia rolá um self-service da branquinha.
Meti mais um tapão na cabeça do cara. Ele resmungou algo cretino e eu comecei a ficar bem bravo.
- Ei, caras, eu tenho direitos!
Eu fiquei muito puto e levantei. Botei o dedo dentro da orelha do cara.
- Cala a boca! Cala a boca! Teu direito é dizê onde tá o Carne Seca, cê tá me entendendo? Você fala, e num passe de mágica a gente vai embora.
E aí eu disse baixando a voz, sussurrando.
- Vâmo fazê o seguinte: esse será o nosso segredinho, ok, my friend?
- É que...
Dei um tapa de cima pra baixo na cabeça dele. Lufus tinha esticado três lagartas pra nós.
- Cuidado, hein, Lufe, o troço é puro.
- Eu também sou, hahahaha!!!
- Pô, caras...
De novo falei com ele sussurrando, meio sensual, acho que eu estava querendo entrar na alma do cara. Coisas do pó.
- Pshhhh! Não fala nada. Agora, relaxa. Nós somos amigos, tá ligado? Bróders. Agora nós vâmo dá um téquinho no pózinho mágico, juntos, pra selá a nossa amizade, beleza? Então não fala nada... Amigos... Bróders.
O Lufus mandou primeiro.
- Uhuuuuuu!!!!!!
Ele começou a dançar pelo quarto fazendo uns barulhos com a boca, no estilo rapper norte-americano e raspando o pé no assoalho. Ele estava imitando o Robocop-Jackson. Na verdade, ele era o Robocop-Jackson. O Lufe fica bem louco quando se encontra com o pó mágico. Mandei também, no estilo acelera Ayrton, pra alcançar o man.
- Vai lá, man, manda um tapinha pra gente ficá tudo amigo aqui nesse local de confraternização, de alegria e paz, onde o homem pode ser ele mesmo, sem nenhum tipo de amarra com a sociedade nem preconceitos de cor, credo, raça, aonde a máquina que massifica não pode entrá... Agora nós somos irmãos, cê tá me entendendo?
O cara cheirou o pó meio desconfiado. Ele estava achando que nós éramos loucos. Na verdade, eu fico assim quando mando cocaína. Tenho a sensação de que somos todos irmãos e que o mundo pode ser melhor. O estranho disso tudo, é que essa sensação não dura muito, então eu tenho o hábito de voltar a ser o Detetive Linhares em menos de meia hora. Mas aproveitei a situação. O Lufus estava bem doidão rebolando pelo quarto e cantando no americano dele. Acendi um cigarro.
- Maaaaannn, o baguio é crazyyyy!!!! Hihihi!!! Uhuuuu!!!
- Tá vendo, my friend, a gente tá feliz. E porque a gente tá feliz? Porque agora somos irmãos, e irmãos não tem segredinhos, certo?
Eu estava bem louco. Só conseguia falar sussurrando. Eu falava com o nariz grudado no nariz do cara soltando a fumaça bem devagar. Ele devia achar que éramos dois idiotas afetados vindos do céu numa nave roxa, e que no lugar do cérebro tinham enfiado marshmallows nas nossas cabeças.
- Cara, vocês são loucos!
- Pshhhh! Senta aqui agora e fala com o papai. Ca-dê-o-Car-ne-Se-ca?
A hora que o troço bate lá no fundo da alma eu tenho a sensação de estar num jardim de infância. Que eu posso qualquer coisa nesses trinta minutos antes de virar Detetive de novo. Eu começo a falar de um jeito estranho. Músiquinhas começam a tocar na minha cabeça e o mundo fica monocórdico. Eu só escuto o cara na minha frente, mas ainda vejo que o Lufe dança de um jeito estranho. O Lufe veio em direção ao cara. Acho que a pira dele tinha passado.
- Ei, cara, porque você tá tirando meu sapato.
Acordei.
- Uouuu!!! Magnífico, man!! Me sinto o Nicolas Cage.
- Há! É isso aí, man! Agora vâmo botá pra fudê!!
- O que cês vão fazê?
- Presta a atenção, meu querido. O Lufus trouxe pra você um presentinho de bróder lá de Antonina. Se você não quiser o presente você tem de dizer onde está o Carne Seca. Daí ele não te dá o presente, sacou? A parada é ao contrário. Você fala, e não ganha o presente.
Lufus sacou do casaco um vidrinho com um escorpião dentro.
- Que é isso? Cês tão loucos?!?! Isso é um escorpião!! Tira esse bicho de mim!!! Sai daquiii!!!
- O último que ganhou uma mordida da Matilda tá dormindo até hoje.
- Escorpião não morde, Lufe...
- Tem razão, Linhaça, é tudo com o rabinho, tipo aqueles safados da Cruz Machado! Cê tá ligado, né? Cambada de cretinos! E acho que eu vô vê a Mamá depois. Pô, man, faz uma cara que eu não vejo a Mamá. O cheirinho da buceta dela tá aqui, ó! Dá pra senti na ponta da língua. Há! Háhá!!! Uhuuuuu!!! Mamááá, hoje eu te fôdo intêra!! Uuuuu!!!
Lufus começou a rir. Eu comecei a rir. O cara começou a rir. Nós três ríamos freneticamente. Juntos. Cada vez mais alto. Rimos por um bom tempo. Eu e o Lufe paramos de rir. O cara continuou.
- Você tá rindo do que, mesmo?
- É, man. Têmo cara de frango, por acaso?
- Não, foi mal... é que...
- Aê, mermão. Isso aqui não é um bichinho qualqué, tá ligado? O nome dela é Matilda e ela qué te conhecê, hihi!
O Lufe segurou o bicho pelo rabo e foi chegando bem perto do olho do cretino.
- Tá, eu falo, eu falo!! O Carne foi pra Paranaguá. Tem uns caras lá que vão recebê uma mercadoria e ele foi tirá a parte dele. Ele volta amanhã. É tudo o que eu sei, mas tira esse bicho daqui.
PAF! Lufus meteu um tapão no ouvido do cara.
- Bicho o caralho, cê tá me ouvindo! Matilda! Matilda, man!
- Aê, bróder, você esqueceu que somos irmãos? Pede desculpa pra Matilda.
Lufus ameaçou dar outro tapa no cara.
- Desculpa, Matilda.
- Muito bem. Agora você vai se recompor, porque você não tá bem. Isso aí. Bota o sapato, arruma o cabelo. Melhora esse ar, guri. Respira, relaxa. Hehe! Agora você parece um homem de verdade. Toma! Meu telefone.
Dei meu cartão pro cara. O Lufus guardou a Matilda.
- Liga pra mim quando ele chegá, ok? Agora, nós somos irmãos. Você me ajuda, eu te ajudo.
- Mas e a pacotêra?
Perguntou o rapaz, meio ressabiado. Acendi um cigarro.
- Que pacotêra?
Saímos do quarto. As pessoas na sala estavam em silêncio, ainda deitadas no chão, perplexas.
- É isso aí, pessoal. O aluguel da casa é muito alto e a gente vai dar uma olhada por aí pra vê se não acha algo mais em conta.
Entramos no Inércia e fomos embora.
- E o produto, Lufe?
- O bagulho é doidooo!!! Hahaha!
- Hahaha!
Chegamos no escritório. O Cavêra estava dormindo sentado. Fui esquentar água pro café. O Lufus ficou olhando o Cavêra. Ele acordou.
- Búú!!! Daê, Caverinha!
- Hã.. o que.. Detetive! Orra, vocês me deixaram aqui. Me solta aê, pô!
- Hihi!!
- Vaza, Cavêra. A gente já tem o que quer.
- Mas, assim... o que... é que...
- Vai, Cavêra!
O Lufus abriu a porta. Pela janela do escritório vimos o Cavêra correndo.
- Paranaguá... Acho melhor esperarmos o Carne voltar.
- Pô, Linhaça, cê deu teu cartão pro idiotinha da casa.
- Ele não vai ligá.
- Será que o Carne não vai querê vir na nossa cola.
- Não vem. Não é louco. Mas ele sabe que a gente tá na cola dele. Amanhã a gente pega esse cara de jeito.
Lufus botou a pacotêra na mesa e meteu a mão no pó.
- Jingle Bells, Jingle Bells...
- Hahahaha!!!!
- Vô vê a Mamá. Levá um presentinho pra ela.
Sentei no sofá e fiquei admirando aquela neve toda na mesa. Algumas horas depois de abraçar o pó mágico eu fico um pouco reflexivo. Nada de deprê-pós-teco: isso é coisa de mocinha. Fico tranqüilo, pensativo. Comecei a ver a cena de amanhã. 

(continua)

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