segunda-feira, 16 de abril de 2012

Breve Obituário Cotidiano



4

Desci pra fumar um cigarro e respirar um pouco do ar da rua. Olhei no relógio e os ponteirinhos já marcavam uma e meia da manhã.
-  Não tô nem um pouco afim de subir até o escritório.
“Que cê acha, Cramunha?”
“Você devia ir ao primeiro andar ainda hoje”
Eu tinha que aproveitar que as informações ainda estavam frescas.
            - A noite tá agradável. Acho que uma visitinha pra Dona Toussaud a essa hora pode até arrancá um sorriso da véia.
“Quem sabe ela não resolve te dar uns beijos”
“Cala a boca. Ela deve ter idade pra ser tua mãe”
“Mais respeito com a minha mãezinha”
O Diabo fez o sinal da cruz.
“Que Deus a tenha”. 
Subimos pela escada. Sala 111, no fundo do corredor. Dá entrada do andar já deu pra sentir o cheiro de incenso fedorento.
“Quem foi o fiadaputa que inventô essa porra, hein? Ô fumacinha dos Diabo”
“Desde a antiguidade que o incenso é usado em rituais. Eu lembro que tinha uns rapazes na região que hoje vocês conhecem como Oriente Médio, na fronteira com a Etiópia, que retiravam a essência de uma planta chamada Olíbano. Tinha um cheiro agradável, mas se perdeu o costume de queimar o negócio por conta dos católicos.”
“Esses tais de católicos tem essa péssima mania de proibir, você não acha?”
“Faz parte do jogo, Detetive”
Paramos em frente à porta.
“Madeira da Índia.”
“E?”
“Nada, Detetive! Bata na porta de uma vez!”
Toc, Toc...
-          Entre, Detetive!
Disse, uma voz velha e rouca, e continuou.
-          Limpem os pés! Há sandálias no canto esquerdo da porta.
“Limpem?”
Olhei para o lado e o Cramunha não estava mais ali comigo. Como ela sabia que eu não estava sozinho me deixou meio ressabiado, mas entrei. Eu tinha acabado de entrar em uma espécie de ante-sala. Seria uma copa se fosse numa dessas casas onde se encontram casais com filhos e cachorros, mas aqui, mais parece uma ante-sala de castelo medieval de filme, com velas, incensos, pinturas nas paredes, muitas flores e um tapete de couro de crocodilo com a bocarra virada pra quem entra. Botei uma sandália dessas estilo japonesa e fui entrando. Atravessei uma porta toda decorada com heras e entrei no que me parecia ser a sala principal do 'apartamento'.
-          Interessante seu tapete, Dona...
-          'Dona' é a sua avó!
Disse, entrando na sala, vindo provavelmente da cozinha, pois trazia nas mãos quitutes e algo que fazia fumaça dentro de um bule.
-          Prefiro, Madame, por gentileza!
-          Ok, Madame... Madame Toussaud... Melhor assim?
-          Piá atrevido! O que você quer de mim?
Ela colocou os quitutes em cima da mesa sem a menor intenção de que aquilo fosse para mim, apesar de haver na mesa duas xícaras e dois pratinhos. Como, às vezes, eu sou meio enxerido fui metendo a mão no bule.
-          Obrigado, Madame.
“Quer tirar a mão daí! Isso não é pra você.”
Era a voz do Diabo, mas o Diabo não estava por ali.
Eis que sai da cozinha um rapaz moreno, alto, bonito e sensual, mais ou menos parecido com o Marlon Brando...
“Na verdade, até que você é bem parecido com o Marlon.”
I´m gonna make you an offer you can´t refuse.”
-          Hahaha! Essa imitação de Dom Corleone é a mais barata que eu já vi!
-          Com quem você está falando, Detetive? Por acaso você é retardado?
Perguntou, Madame, voltando da cozinha, e continuou.
-          Deixe-me apresentá-lo: Marlon, Detetive Tampinha, Detetive Tampinha, Marlon.
-          Cê tá de gozação comigo?!?! Vai me dizer que esse canastrão...
-          Ei, Detetive, cê tá muito esquentadinho com a Madame. Acho melhor você ficar quieto por uns minutinhos.
O cara fez um movimento com as mãos e de repente eu estava sem voz. Pelo menos eu ainda posso pensar, pensei.
“Essa voz é a do Cramunha, mas ele não tá aqui.”
“Detetive, dá pra parar de encher o meu saco!”
“Nossa, você é o Marlon?!”
Ele ergueu as duas sobrancelhas em sinal de 'E quem mais eu seria',
“E não é que vocês são parecidinhos, mesmo...”
então me calei por um tempo. Os dois pareciam ser amigos de outros tempos. Ficaram conversando sobre a terra, a água, metafísica, futuro, passado, e tudo em diferentes línguas. Eu como sou gente normal, um simples garoto malandrinho, moleque, piá de rua, não me entendo muito bem com essa coisa de língua, a não ser que essa língua saia de uma boca feminina, e no caso de 'feminino', pode ser qualquer coisa que se mova.
Eles estavam falando umas coisas das quais não faço a mínima idéia de onde vieram. E riam muito. Aliás, Madame Toussaud é outra que não para de rir.
Deve ter passado pelo menos uns cinco mil dias até um dos dois se calar e lembrar de mim. Ela virou e disse:
-          Então, o teu problema é o Poodle Esmeralda.
-          Quem te contou?
-          Está estampado  na tua cara de bobo.
“Olha só o tipo dessa velha doida.”
PLÓSH!
Ela mexeu o olho direito e eu virei uma pulga. Tentei pensar e não saía nada. Eu só enxergava a toalha da mesa. Saltei pra dentro de um dos pratos e dali pra ponta do nariz do Marlon. Ele me pegou e me apertou. Então saiu uma gosminha e eu morri.

(continua)

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