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Desci pra fumar um cigarro
e respirar um pouco do ar da rua. Olhei no relógio e os ponteirinhos já
marcavam uma e meia da manhã.
-
Não tô nem um pouco afim de subir
até o escritório.
“Que cê acha, Cramunha?”
“Você devia ir ao primeiro
andar ainda hoje”
Eu tinha que aproveitar
que as informações ainda estavam frescas.
- A noite tá agradável.
Acho que uma visitinha pra Dona Toussaud a essa hora pode até arrancá um
sorriso da véia.
“Quem sabe ela não resolve
te dar uns beijos”
“Cala a boca. Ela deve ter
idade pra ser tua mãe”
“Mais respeito com a minha
mãezinha”
O Diabo fez o sinal da
cruz.
“Que Deus a tenha”.
Subimos pela escada. Sala
111, no fundo do corredor. Dá entrada do andar já deu pra sentir o cheiro de
incenso fedorento.
“Quem foi o fiadaputa que
inventô essa porra, hein? Ô fumacinha dos Diabo”
“Desde a antiguidade que o
incenso é usado em rituais. Eu lembro que tinha uns rapazes na região que hoje
vocês conhecem como Oriente Médio, na fronteira com a Etiópia, que retiravam a
essência de uma planta chamada Olíbano. Tinha um cheiro agradável, mas
se perdeu o costume de queimar o negócio por conta dos católicos.”
“Esses tais de católicos
tem essa péssima mania de proibir, você não acha?”
“Faz parte do jogo,
Detetive”
Paramos em frente à porta.
“Madeira da Índia.”
“E?”
“Nada, Detetive! Bata na
porta de uma vez!”
Toc, Toc...
-
Entre, Detetive!
Disse, uma voz velha e
rouca, e continuou.
-
Limpem os pés! Há sandálias no canto esquerdo da porta.
“Limpem?”
Olhei para o lado e o Cramunha
não estava mais ali comigo. Como ela sabia que eu não estava sozinho me deixou
meio ressabiado, mas entrei. Eu tinha acabado de entrar em uma espécie de
ante-sala. Seria uma copa se fosse numa dessas casas onde se encontram casais
com filhos e cachorros, mas aqui, mais parece uma ante-sala de castelo medieval
de filme, com velas, incensos, pinturas nas paredes, muitas flores e um tapete
de couro de crocodilo com a bocarra virada pra quem entra. Botei uma sandália
dessas estilo japonesa e fui entrando. Atravessei uma porta toda decorada com
heras e entrei no que me parecia ser a sala principal do 'apartamento'.
-
Interessante seu tapete, Dona...
-
'Dona' é a sua avó!
Disse, entrando na sala,
vindo provavelmente da cozinha, pois trazia nas mãos quitutes e algo que fazia
fumaça dentro de um bule.
-
Prefiro, Madame, por gentileza!
-
Ok, Madame... Madame Toussaud... Melhor assim?
-
Piá atrevido! O que você quer de mim?
Ela colocou os quitutes em
cima da mesa sem a menor intenção de que aquilo fosse para mim, apesar de haver
na mesa duas xícaras e dois pratinhos. Como, às vezes, eu sou meio enxerido fui
metendo a mão no bule.
-
Obrigado, Madame.
“Quer tirar a mão daí!
Isso não é pra você.”
Era a voz do Diabo, mas o
Diabo não estava por ali.
Eis que sai da cozinha um
rapaz moreno, alto, bonito e sensual, mais ou menos parecido com o Marlon
Brando...
“Na verdade, até que você
é bem parecido com o Marlon.”
“I´m gonna make you
an offer you can´t refuse.”
-
Hahaha! Essa imitação de Dom Corleone é a
mais barata que eu já vi!
-
Com quem você está falando, Detetive? Por
acaso você é retardado?
Perguntou, Madame, voltando da cozinha, e continuou.
-
Deixe-me apresentá-lo: Marlon, Detetive
Tampinha, Detetive Tampinha, Marlon.
-
Cê tá de gozação comigo?!?! Vai me dizer
que esse canastrão...
-
Ei, Detetive, cê tá muito esquentadinho com
a Madame. Acho melhor você ficar quieto por uns minutinhos.
O cara fez um movimento com as mãos e de repente eu estava sem voz. Pelo
menos eu ainda posso pensar, pensei.
“Essa voz é a do Cramunha, mas ele não tá aqui.”
“Detetive, dá pra parar de encher o meu saco!”
“Nossa, você é o Marlon?!”
Ele ergueu as duas sobrancelhas em sinal de 'E quem mais eu seria',
“E não é que vocês são parecidinhos, mesmo...”
então me calei por um tempo. Os dois pareciam ser amigos de outros
tempos. Ficaram conversando sobre a terra, a água, metafísica, futuro, passado,
e tudo em diferentes línguas. Eu como sou gente normal, um simples garoto
malandrinho, moleque, piá de rua, não me entendo muito bem com essa coisa de
língua, a não ser que essa língua saia de uma boca feminina, e no caso de 'feminino',
pode ser qualquer coisa que se mova.
Eles estavam falando umas coisas das quais não faço a mínima idéia de
onde vieram. E riam muito. Aliás, Madame Toussaud é outra que não para de rir.
Deve ter passado pelo menos uns cinco mil dias até um dos dois se calar
e lembrar de mim. Ela virou e disse:
-
Então, o teu problema é o Poodle Esmeralda.
-
Quem te contou?
-
Está estampado na tua cara de bobo.
“Olha só o tipo dessa velha doida.”
PLÓSH!
Ela mexeu o olho direito e eu virei uma pulga. Tentei pensar e não saía
nada. Eu só enxergava a toalha da mesa. Saltei pra dentro de um dos pratos e
dali pra ponta do nariz do Marlon. Ele me pegou e me apertou. Então saiu uma gosminha e
eu morri.
(continua)
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