segunda-feira, 23 de abril de 2012

Breve Obituário Cotidiano



6

Planetário do Colégio Estadual do Paraná em quatro dias
pra evitar que alguém se transforme no próximo Senhor das Trevas
e comece a entupir as ruas com mortos-vivos.

Era o que estava escrito no bilhete que o Cramunha deixou em cima da mesa. Mas tinha algo me incomodando.
- Se em quatro dias eu vou encontrá o cachorro, mais o safado que o roubou, as esmeraldas, e tudo no mesmo lugar, porque eu estou me preocupando em procurar todo mundo hoje? Eles vão estar todos no mesmo lugar, juntinhos, e num só tiro eu posso pegá todos esses malandrinhos... Aaahhh!
“Vou ver se faço algo mais interessante nesses dias”.
Catei meu chapéu de detetive, minha capa de detetive, e meu cigarro de canto-de-boca, também, de detetive, e desci pra ver os camelôs e as putas da Praça Osório. Entrei no elevador e um tiozinho entrou comigo.
            - Bom dia, menino.
“Menino?”
            - Como vão as coisas?
            - Indo.
“Agora o tio começa o típico papo de elevador...”
            - Tá quente, né?
“É de doê nas bolas...”
            - Pra caralho!
            - Deve chover no final da tarde, né?
“Será?”
            - Deve.
            - Por isso eu sempre levo meu guarda-chuva.
            - Viu, só?
            - O que?
            - O que, o que?
            - Você me perguntou.
            - Perguntei o que?
            - Se eu tinha visto.
“Tsca! Cala a boca velho!”
            - Tá bom.
            - Tá bom, o que?!
            - Eu calo a boca.

Silêncio.


alguns segundos depois

“Vou testar esse velho”
            - Pode começar.
            - Começar o que?
            - O teste. Adoro pegadinhas.
            - Você tá ouvindo o que eu tô pensando, porra?!
            - Não.
            - Então?
            - Então, o que?
            - Você me ouve pensando!
            - Não. Você fala muito. Só isso.
            - Mas...
            - E é muito mal-educado. Fala muito palavrão.
“Cu”
            - O que eu pensei agora, hein?
            - Não vou falar.
            - Então, você não sabe.
            - Sei sim.
            - Então fala.
            - É palavrão.
“Alameda Cabral com Cruz Machado”
            - É pra onde você tá indo.
            - Como assim?
            - Bar do Tony.
“?”
            - Você vai pedir um café preto num copo de vidro americano como sempre faz...
“...”
            - ...e um pão com manteiga que não vai comer inteiro porque um mendigo vai te pedir uma mordida e como você tem nojo de dividir as coisas você vai dar inteiro e não vai aceitar outro que o Tony vai te oferecer...
“Ôrra!”
            - ...vai levantar do balcão vai ao banheiro lavar o rosto porque está muito quente e você odeia calor apesar de que quando você era criança você adorava ir para a praia com a sua família e com os amigos da sua família pra ficar o dia inteiro na areia feito milanesa e ficar torrado feito um camarão então você sai do bar e um menino te aborda pedindo trocados você diz não ele te olha nos olhos sorri e você entende algo obscuro dentro de si como se lá no fundo um uma fossa se enchesse de água e então você pisca e o menino já sumiu e você caminha em direção à rua quinze os semáforos não funcionam está mais quente que o habitual tira o casaco e não vê que o deixa pendurado em uma lata de lixo sua única vontade é a de se livrar desse calor maldito então você pensa que o Cramunha pode te salvar mas nessa hora você já está sem camisa sem calça sem nada esqueceu de tudo há uma cor que escorre pelas frestas do seu plano de visão tudo manchado turvo e você corre em direção ao chafariz da Praça Osório onde um milhão de guris nadam pra se livrar do calor e você se joga com eles deixando pra trás seus preconceitos e vocês brincam por horas como se o tempo tivesse parado e pessoas passam olham não param pra ver o que acontece porque não importa eu digo que nada mais importa o que você faz não importa na vida de ninguém detetive.

estava em transe
ainda dentro do elevador
andar treze com a luzinha acessa
elevador parado
sozinho
nu...
...e...
...molhado.



Corri pra dentro do escritório. Liguei o rádio.

Em Curitiba, vinte e duas horas e quarenta e três minutos,
Muito calor nessa noite gostosa de sexta.
Fim de semana, praia e...

“Merda!”

Vesti a primeira roupa que encontrei e saí correndo pro Planetário. Nada de Jéssica, de cigarros, de roupa de detetive. Calça jeans, camiseta verde, havaianas e um bonezinho mequetrefe que chegou esses dias pelo correio junto com uma canetinha e um monte de propaganda eleitoral. Montei no Inércia, “meu Santanão 88 mexido”, e voei pro Colégio Estadual.
“De longe já dá pra ver a movimentação no céu”.

(continua)

Nenhum comentário:

Postar um comentário