quinta-feira, 5 de abril de 2012

Breve Obituário Cotidiano


Tábua de Esmeralda

1

Tic-tac, tic-tac, tic-tac.

36 graus. Suando a bicas. De cueca com o ventilador ligado no máximo em cima do peito. Um saco de gelo na testa. Ar condicionado pifado desde o inverno de 74. Curitiba com calor é pior que o próprio inferno. Parece maldição.

Tic-tac, tic-tac, tic-tac.

O Diabo sentado em cima da mesa olhando pra mim. Rindo.
“Tá com calor, Detetive?”.
Não passa de um tremendo safado esperando que a morte bata na porta pra acertarmos as contas... e de perninhas cruzadas.
“Qué um café?”
Penso tirando um sarrinho.

Tic-tac, tic-tac, tic-tac.

Tirando sarro de quem, Detetive, pergunto pra mim mesmo.
“Quem está na merda é você! ”
Ele diz sem maiores inflexões. Ele tem razão. Preciso de um trabalho num lugar bem frio. Na Alemanha, por exemplo. Talvez, procurar uma esposa gostosa...

Tic-tac, tic,
POW!

“Tá nervosinho, Detetive?”
... desaparecida, de um milionário da indústria da cerveja. Ia ser legal. Cobrar tudo em cerveja, dar um passeio pela Europa, e matar alguns nazistinhas que ainda rondam por lá.
“Não. Tô bem desse jeito. Não tá vendo?”.

Toc toc toc

“Não vai atender, Detetive?”
“Preguiça”

Toc Toc Toc

“Quem sabe seja a esposa gostosa querendo que você ache o marido desaparecido, hehe”
“Cala a boca, seu cramunhão!”

TOC TOC TOC

“Eu se fosse você atendia...”
“Porque você não vai procurá tua tur...”

CRASH!

Um cara de uns três metros de altura por dois de largura acaba de quebrar a minha porta. É a quinta vez que isso acontece. Esses brutamontes não entendem nada de etiqueta.
            -       Você não sabe ler, gigantão? Tem uma plaquinha na porta:

NÃO FÔDA! ESTOU DORMINDO!

O cara saiu da frente da porta e uma gostosa vestida de vermelho entrou girando a correntinha da plaquinha nos dedos. Sentou na mesa ao lado do cramunhão. Acho que ela não o viu.
            - Olha, dona, daqui do sofá até que vocês dois são parecidinhos.
            - O que?
            - Deixa pra lá... Em que posso ser útil? A plaquinha vai te custar um extra, hein?
            - Ivan, jogue uma roupa para o indigente.
            - Indigente, dona! Eu sou Detetive! Detetive Linhares, ao seu dispor.
O Ivan tacou a calça na minha cara. Botei o ventilador no chão, com o saco de gelo que já tinha virado água.
            - Você pode alcançar uma toalhinha que tem na cozinha, Ivanzinho?
Ele grunhiu. Acho que não gostou de mim. Vesti a calça e botei meu chapéu. Acho que fiquei parecendo um cowboy de filme farwest.
“Quer parar de aparecer, Detetive! O negócio dela são outros...”
            - Eu detesto quando você me diminui na frente das mulheres...
            - Detesta o que, Detetive?
            - Pode me chamar de Linhares, dona...
            - Linda Lupino.
Ela sentou na minha cadeira de Detetive. Não gosto disso, mas as gostosas podem. O Diabo parou atrás dela. Ivan ficou na frente da porta servindo de porta. Acendi um cigarro.
            - Fuma, Linda?
“Porra, ela é linda pra cacete!”
            - Não essas porcarias! Ivan!
Ele veio com um cigarrinho. As mãos do idiota eram maiores que o isqueiro. Ele não conseguia manuseá-lo. Então, ele estalou os dedos e uma chama brotou da ponta do dedão.
“Ei! Legal! Como será que ele faz isso?”
            - Detetive, eu preciso que você encontre meu cachorro de estimação.
            - E o que ele tem de especial, além de ser seu?
            - Ele é meu.
“Ótima resposta...”
            - Como ele é?
Ela foi abrindo a gaveta da mesa.
“Droga!”
            - É um pequeno Poodle branco de olhos verdes e...
Ela puxou um dos meus gibis de fim de semana.
            - Você sabia, Detetive, que a maioria dos homens gostam de ler a Playboy, pelo mesmo motivo que lêem a National Geographic...
“Para ver lugares que nunca irão visitar”.
            - Para ver lugares que nunca irão visitar.
“Você deve tá de pacto com ela...”
            - E daí? Muitas delas já têm mais de 80 anos mesmo...
            - Quantos anos você acha que eu tenho, Detetive?
“Essa gostosa deve ter uns quarenta”
            - Uns trintinha tá de bom tamanho...
O Diabo riu.
Ela deu uma tragada funda. Matou o cigarro e o apagou na mesa, jogando a bituca para o brutamontes. Ele a abocanhou numa pegada só.
“O cara é cheio de truques...”
            - Bela pegada, Ivan.
Ele grunhiu de novo.
            - E esse Poodle, Dona Lupino.
            - Ele sumiu faz três dias.
            - Além dele ser seu, o que mais é importante nele? Algum detalhe...
            - Seus olhos foram cirurgicamente retirados e no lugar foram implantadas duas esmeraldas.
            - Só isso?
            - Sim. Ela sumiu da frente de uma loja de jóias na Av. do Batel. Ivan estava muito ocupado urinando em um hidrante e não viu a cadelinha ser retirada de dentro do carro, não é Ivan?
Dessa vez, ele não grunhiu.
            - Certo.
Interrompi, porque o constrangimento do brutamontes me afetava de alguma forma.
            - Você viu alguma coisa, Ivan?
Ele balançou a cabeça em negativa.
            - Bom, Dona Linda...
“Linda é minha mãe que eu pedia um real e ela me dava dez!”
            - ...creio que este serviço vá lhe custar caro, pois, sem nenhuma pista concreta eu...
Ivan se aproximou da mesa. Se ajoelhou em frente à gostosa. Ela levantou a peruca de Ivan e abriu um zíper em sua cabeça. Tirou um maço de notas de cem e me entregou.
            - Aqui tem um bom dinheiro pra você começar. Meu cartão.
No cartão vermelho-sangue, vinha escrito Linda e assinado Linda. Ela redundava de tão gostosa.
            - Ok, Dona Linda, em uma semana seu totó estará de volta ao lar.
            - Perfeito!
Ela levantou-se, atirou a revista na boca do Ivan e saiu. Ivan recolocou a porta no lugar e saiu. Ficaram eu, o ventilador e o Diabo, com um sorrisinho cínico estampado no meio da fuça vermelha.
“Que foi agora?”
“Que gostosa... Vá trabalhar! Eu passo aqui amanhã prum cafezinho.”
            Virou fumacinha e se foi. Deitei novamente no sofá. Liguei o ventilador. Botei o chapéu na cara.
“Eu tenho sete dias pra resolver isso. Vai ser moleza”.

(continua)

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