quinta-feira, 19 de abril de 2012

Breve Obituário Cotidiano


5

Conheci Madame Tussaud por acaso, três anos atrás, depois de ser internado por causa de um transtorno de personalidade, uma espécie de paranóia que se instalou na minha cabeça: por um tempo eu comecei a achar que eu era um justiceiro, um tipo de açougueiro assassino, e que toda a escória do mundo deveria morrer pelas minhas mãos. A história é longa e não vem ao caso. O que importa é que passei um tempo no pinel do Hauer com o Dr. Nascimento e as coisas se esclareceram. Enfim... o negócio é que eu e Madame tivemos aquele típico trombão de corredor. Ela deixou cair uma sacola do Mercadorama com frutas, e eu alguns livros que eu recém havia comprado num sebo. Nos olhamos por alguns segundos...
            - Seu piá de merda! Você está cego? Vê se olha por onde anda!
            - Calma, minha senhora...
            - Calma?! Eu estou muito calma!
“Nota-se”
            - O quê? O que você disse?
            - Nada, não...
            - Tira essa mão suja das minhas compras! Não precisa me ajudar! Eu só estou velha, não estou morta!
“Pra mim, cê tá parecendo um zumbi”
            - Piá desaforado!
Ela disse, emendando uma bolsada no meu braço.
            - Por acaso, a senhora lê pensamento, é?
“Vai se fudê! Velha do caralho!”
            - Quem é velha, hein?!
A discussão durou mais uns quinze minutos. No fim, ela recolheu suas frutas e seguiu seu rumo. Eu fiquei com uma pulga atrás da orelha.
“Como ela sabia o que eu tava pensando?”
Então, um dia fui até o apartamento dela. Sala 111.

MADAME TUSSAUD
Cartomante, Vidente, Taróloga, Esotérica, Umbandista, Cigana e Feiticeira
Faço qualquer tipo de trabalho

Isso foi um pouco depois de alugar este escritório, aqui no Edifício Asa, 13º andar, sala 1301, quando eu tinha pouco mais de trinta anos. Foi uma época difícil. De dívidas, jogos, prostituição, drogas, e um arsenal de coisas que me fizeram conhecer pela segunda vez o fundo do poço. Nesse momento, Madame Tussaud foi muito importante. Ela me ajudou a conhecer um mundo novo, mais leve, e a seguir meus passos em direção ao futuro. Inclusive, permita-me aproveitar esse momento íntimo e descontraído entre eu e você, para umas breves palavras de conforto:
            - Se você está precisando de serviços de inteligência; busca e captura; perdeu um objeto de estima, ou um parente querido; não sabe mais como recuperar aquele dinheiro emprestado há tanto tempo; seu marido ou esposa está te traindo e você precisa urgente de fotos que o/a incriminem? Então, eu só tenho uma coisa pra lhe dizer: pare o que você está fazendo e venha agora aqui na Praça Osório, entre no Edifício Asa, pegue o elevador da direita, suba até o décimo terceiro andar, vire à esquerda e olhe para a porta que estará à sua frente. Respire fundo. Tenha fé. Pode entrar sem bater, porque EU estarei à sua espera!
“Caralho, Linhares, cada dia que passa você fica mais estranho”
O Diabo acaba de entrar no escritório.
“Acorda. Tenho boas notícias pra você”
Abri os olhos devagar e sentei no sofá. 34 graus. Em Curitiba isso é o suficiente pra se fritar um ovo em cima da própria cabeça.
“Ontem, depois que você se foi, eu e Madame tivemos uma ótima conversa”
“Eu notei... Café?”
“Não, obrigado. Ficamos mais algumas horas conversando, e ela me disse que é muito provável que a dona do Poodle esteja tentando fazer um pacto com o Diabo”
            - Ééé...
“Parece que a lua entrará em conjunção com plutão, saturno e o sol, formando uma linha direta com Curitiba, mais precisamente com o planetário do Colégio Estadual”
            - E?
“Isso acontecerá em quatro dias”
            - E o que você qué que eu faça? Que eu entre no planetário matando todo mundo e rapte o cachorro?
“Seria uma ótima idéia...”
“Uma idéia tão cretina quanto você, detetive”
            - Cigarro?
“Você sabe que eu não fumo”
“Sempre há uma primeira vez”
“O ritual diz que, se duas pedras de esmeralda forem colocadas entre a linha que vem dos planetas e o coração de alguém, este alguém terá poderes sobre os mortos e vida eterna”
“E você vai dexá isso acontecê?”
“Acho que não... Da última vez que isso aconteceu, tivemos muitos problemas com o cara que fez o ritual”
            - E quem foi o cara? Fiquei curioso...
“Não importa...”
            - Claro que importa! Fala aê, Cramunha! Tá com medinho, tá?
“Saco! Você conhece as histórias de vampiros?”
“Sim”
“Lembra do Drácula?”
“Não”
“O Conde da Transilvânia?”
“O que tem ele?”
“Porra, você nunca ouviu falar nele?”
“E porque deveria?”
O Diabo ficou puto. Ele estalou os dedos e uma caneta Stabilo vermelha apareceu em suas mãos...
“Eu adoro quando ele faz esses truques”
...e escreveu alguma coisa num pedaço de papel. Deixou em cima da mesa.
PUF!
Foi embora.

(continua)

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