quinta-feira, 26 de abril de 2012

Breve Obituário Cotidiano



7

Limpei os olhos. Não conseguia enxergar direito. Estava tudo meio embaralhado por causa da chuva que há dez minutos havia começado a cair.
“Só tá chovendo aqui no Colégio”
Muito estranho, mas a chuva só caía na frente da escola. Muitas nuvens escuras cobriam o lugar. Vez ou outra alguns raios cortavam o céu em direção ao Planetário.
“Cacete! Acho que tô perdendo a festinha”
Larguei o Inércia na esquina do Colégio e saí correndo. Corri o máximo que pude. Pulei o muro, rolei pela grama e continuei correndo cada vez mais rápido. A chuva embaçava mais a minha visão e eu já estava com bastante dificuldade pra enxergar. Mas não parei de correr.
“Sou Detetive, porra! Não posso perder uma missãozinha boba como essa”
O Planetário era gigante. A porta devia ter uns dez metros de altura e estava com um aspecto fantasmagórico. Parei na entrada.
“Você tá aí, Cramunha?”
Nada. Perguntei de novo.
“Psiu... Cadê você, Cramunha?”
-       Mas que Diabo! Isso é hora pra você sumir?!
“Ei, Detetive”
A voz do Cramunha vindo de dentro do Planetário. Entrei. Sabe o laboratório do pai do Frankenstein? É por aí. O negócio lá dentro era muito esquisito. Luzes, raios, coisas verdes escorrendo pelas paredes, máquinas bem estranhas, pirotecnia de primeira, coisa de gente premiada.
“Não tô te vendo”
“Vai vindo... tô aqui no fundo”
Continuei caminhando. Gosmas no chão. Aquilo mais me parecia filme de alienígena. Um vulto lá no fundo.
“E aí, Cramunha, cadê a festinha?”
O cara não parecia o Diabo, ele me lembrava mais o H.R. Giger.
-       Ei, que você tá fazendo aqui, Giger?
-       Quem é você?
Ele me perguntou meio bravo.
-       Detetive Linhares, estou procurando um...
PLAM!
Uma porta se abriu do meu lado direito e uns caras pularam em cima de mim e me amarraram.
-       Ei! Quem são vocês? Me larguem seus merdas! Cramunhaaa!!!
“Putz... fui muito cagãozinho agora...”
A voz do Cramunha veio do meio de umas sombras ao fundo do Planetário. Passos. Ele veio vindo devagar,
“veio vindo é ótimo”
enquanto eu era amarrado por uns caras muito monstruosos na maca do Frankenstein.
-       A rapaziada aqui é barra pesada, hein, Seu Giger?!
-       Não é nada pessoal, Detetive, mas...
Um par de pernas saiu das sombras: um vestido vermelho.
“olha, a moça gostosa do poodle esmeralda”
-       ... acho que precisamos...
E de repente era o H.R. Giger.
-       ...ter uma conversinha...
“humm, o cara é uma espécie de mágico”
-       ...pra eu te explicar como...
“Madame Toussaud!”
-       ...as coisas funcionam...
“CRAMUNHA!”
-       ...por aqui.
Por um instante eu me senti meio traído. Meu melhor amigo tinha armado aquela pra mim, e eu nem sei porque.
- Eu não armei nada pra você, Detetive. Eu só quero impedir uma outra pessoa de tomar o meu lugar.
-       Que? Como assim?
Um dos “funcionários” começou a reclinar a maca pra que eu ficasse na vertical.
-       Que tal um cafezinho, Cramunha?
-       Os planetas estão quase no alinhamento.
-       E?
-        A lua vai refletir uma luz no exato momento em que os planetas estiverem alinhados. Essa luz viajará até aqui. Se as esmeraldas estiverem posicionadas naqueles pedestais, produzirão uma luz verde e nada mais. Porém, se alguém, um ser humano, por exemplo, se colocar à frente da luz verde, ganhará poderes extraordinários, tipo, imortalidade, super-força, visão noturna...
-        Um vampiro?!
-        Exato! Por isso eu quero pegar esse cara antes que ele faça isso.
-        Como aquele rapaz da Romênia...
O Cramunha começou a se aproximar de mim. Veio em minha direção me olhando nos olhos com cara de maníaco.
-       Isso mesmo, Detetive. Como aquele idiota que tentou passar a perna em mim.
-       Ah, tá. Entendi.
Ele chegou bem pertinho de mim. Até achei que ele fosse me dar um beijo. Então, Ele estendeu a mão para o lado e um dos seus “funcionários” lhe entregou uma pinça. Na verdade, era um daqueles boticões de dentista. Eu não conseguia me mexer, então, fiquei apenas olhando ele enfiar o troço nos meus olhos e os arrancar pra fora.
Logo em seguida, um dos seus “funcionários” veio até mim e recolocou meus olhos no lugar. Fiquei cego por um momento. Não sei quanto tempo. Ele me aproximou um espelho. Fui abrindo os olhos bem devagar...
-       Humm... Nada mal. Sempre imaginei como eu ficaria com os olhos castanhos.
Um dos capangas do Diabo me soltou. Escorreguei pela maca até o chão.
-       Daê, Cramunha. E o que acontece agora...
Ele estava do outro lado do Planetário com a cabeça de um cara na mão. Tinha um corpo caído no chão.
-       Perdi o melhor da festinha?
-       Essa aberração não vai mais nos incomodar.
-   Que massa.
A gosma no chão tinha secado e já não tinha mais tantos raios como antes de eu ficar cegueta. Os “funcionários” do Cramunhão já tinham terminado de limpar o lugar e estavam indo embora. O céu estava limpando. Algumas estrelas. Lua nova.
-       Já está amanhecendo, Detetive. Acho melhor irmos embora.
-       Ok. Mas... posso te fazer uma perguntinha?
-       Sim.
-       E o poodle?



fim

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