- Sabe o que eu acho mais
legal, Detetive?
- Humm?
- Ficar olhando vocês
polindo essas armas, e cuidando de tudo bem certinho…
- Mais ou menos.
- Mais ou menos o que?
- Nao é tão certinho assim.
- Tá, mas é legal.
silêncio
- Posso te ajudar?
- Pode. Pega um pano pra
você ali na gaveta do armário da cozinha.
- Tá. E agora?
- Isso aí é o carregador.
Ele serve pra você colocar os cartuchos dentro, encaixado assim, olha só.
- Humm…
- Só que precisa tá bem limpo,
senão essa porra emperra e aí é bem capaz que você se ferre. Então, pega um
oleozinho e vai de leve polindo, deixando bem azeitadinha e depois deixa de pé
na pia pra escorrer e deixar o óleo agir engraçado
como ela gosta disso que depois vou te ensinar a desmontar uma arma em
primeiro escalão.
Passamos a
manhã inteira limpando a Jéssica. Os trabalhos nos últimos meses tinham
melhorado e eu e o Lufus acabamos precisando contratar um estagiário pra cuidar
das coisas de telefone e agenda, essas coisas chatas que os estagiários são mal
pagos pra fazer. Só que com a gente acabou sendo um pouquinho diferente, porque
na real não precisávamos de estagiário pra nada. Essa aí é uma menina novinha,
acho que tem uns quatorze ou quinze anos, não sei direito. Não pergunto e ela também não fala, então estamos bem assim. Cão que ladra não morde, tá lembrado? Ela é filha de uma das prostitutas que zanzam…,
que zanzavam pelo Gato Preto e adjacências, e que viu a mãe ser rasgada por um
punhal e depois levar seis tiros, isso tudo logo após uma discussão com o
namorado por causa de umas pedras de crack e de dez reais de um programa, que
segundo a menina, ela nem tinha recebido, porque tinha levado o calote de um
taxista que comeu a mulher no carro e chutou-a pra fora logo em seguida, ou
seja, a noite daquelas pessoas tinha sido uma merda e o namoradão ainda quis
tirar o que ela não tinha. Que maravilha. Eles estavam de parabéns é deprimente o ponto em que podemos chegar.
O problema é que a
menina estava em casa. Tinha recém chegado da casa da avó que mora em
Joinville. Segundo ela, tinha vindo fazer uma visita pra mãe e ver como as
coisas estavam. A avó estava preocupada com a filha e mandou a neta saber da
filha, saber as novas, porque desde que a mulher tinha arranjado um emprego de
secretária de um alto executivo que ela não tinha mais ligado pra família.
Acabei descobrindo depois que o alto executivo era o Nelsinho, o gigolô mais
safado das redondezas. Um cretino que eu já tive com o gogó nas mãos, mas que
conseguiu escapar graças a uma de suas funcionárias que me passou a navalha nas
costas bem na hora que ia fazer os olhos dele explodir. O talho foi grande mas
teve conserto. O negócio é que o cara é bom e a mulherada confia nele. O
esquema funciona bem pro lado do Nelsinho. Ele é metido com qualquer coisa que
dê dinheiro sem se mexer muito, tipo explorar mulheres e crianças, traficar
umas pedras entre os zumbis do centro, roubar uns manés que insistem em
trafegar pelas encruzilhadas de madrugada, explorar geral, essas típicas coisas
que todo bon vivant gosta de fazer. E o povo das redondezas da Catedral parece
gostar do nosso Nelsinho. Muito estranho isso, não é verdade?
E agora estamos cuidando
da menina até o Serviço Social achar uma família pra ela, porque a avó teve um
piripaque quando soube da morte da filha e não resistiu. Dizem que foi pro céu.
Parece que era a única referência da menina e eu topei dar uma assistência até
conseguirem achar um parente ou um lugar pra ela ficar. A guria ficou jurada
pelo Nelsinho. No segundo tiro ela se desesperou e foi pra cima do cara. Ele
virou a mão na boca dela e nisso ela capotou pra trás com o baque da pancada,
bateu no parapeito da janela, e caiu pro lado de fora. Sorte que era térreo e
ela não quebrou nada. Deu tempo ainda dela sair correndo pra pedir ajuda, mas
como eu falei, o centro é do Nelsinho, nessa hora ninguém quis dar uma força
pra guria, e ela acabou no Distrito pedindo ajuda, o que é muito pior, porque
ali tem meia dúzia de canas comprados, mas ainda bem que ela acabou caindo nas
mãos do Tavares, que estava de plantão. Ele já sacou na hora a cagada e me
ligou pedindo preu dar uma força. E agora estamos aqui, eu e a Cynthia,
limpando a Jéssica, enquanto o Fúlvio…o Fúlvio… sei lá do Fúlvio, deve estar
com a Mamá em algum buraco do Parque Barigui dando umas uivadas pra lua cheia.
hehe que massa
- Você tem que mudar esse nome!
- Porque?
- Cynthia? Com Y e TH… sei não…
- Que que tem? Minha mãe que
deu. Por causa da...
- Daquela mulher da novela.
- É. E eu acho legal. Todo
mundo acha.
- Esse é o problema todo mundo pode te achar. A partir de agora você vai se chamar, Janis.
- Porque, Janis? Esse nome é
bizarro, Detetive. Imagina as minhas amigas me chamando na rua…
Ok. Fiquei puto. Não estava muito afim de
ficar puto já de manhã, mas é que certas coisas só são entendidas em decibéis
mais poderosos.
- Se liga numa coisa, guria,
você não vai mais pisar na rua, você não tem mais amigas! Não se ligou disso
ainda? Porra! Se você descer na rua XV e botar teu pezinho 34 na calçada vem um cara e te estufa, então você não
sai mais sozinha.
- Nada a vê.
- Como assim “nada a vê”, caralho!? Tudo
a “vê”!
- Nada a vê! Nem você, nem
aquele policial negão e gordo vão me dizer o que eu devo fazê!
- Ok
- Sem showzinho man.
- Ok. Vamos resolver isso na boa saco.
A Jéssi tem razão. Preciso ficar tranqüilo senão faço merda. Baixei o tom e fui na boa com a menina.
- Primeiro, você precisa de um outro nome porque o Nelsinho vai vir
atrás de você. Segundo, já deve ter gente te procurando, porque voce é
testemunha ocular do crime. E terceiro, faz tempo que eu tô na cola do Nelsinho
e você é um excelente motivo preu acertar as contas com ele. Pode ser?
Ela fez cara de birra,
fez beiço, girou na cadeira, levantou e foi até a janela. Ficou um tempo ali
sem falar nada. Seus olhos estavam vidrados. Acho que tinha sacado o que havia
acontecido. Estava sozinha e as únicas pessoas que estavam dando atenção pra
ela eram três detetives toscos que mal sabem cuidar da própria vida. Mas é o
que ela tem pro momento, e se quiser continuar viva vai ter de aceitar.
Deixei-a ali mais um
tempo em silêncio e continuei dando atenção a Jéssica. Não queria atrapalhar
seus pensamentos. Pensamentos são coisas que não devem ser atrapalhadas,
principalmente quando eles estão te dizendo que tua mãe morreu na tua frente e
que tua avó teve um ataque fulminante e que o cara ao lado quer mudar seu nome
e te esconder numa gaveta ao lado de revistas pulp e
- Tudo bem.
- Tudo bem, o que?
- Mas não
vai ser Janis.
- Porque não?
- Pensa numa outra coisa. Janis parece nome de cadela.
hehe ela é uma guria legal
- Que tal, Indiana?
- Com I ou com Y?
- Com I, né! Que mania que
vocês têm de botar Y no lugar de I! Caralho! Fico imaginando Jéssica com Y.
Você já imaginou, beibes? Teu nome com Y?
- Já, man. E te mataria se você
fizesse isso. É bizarro. Ia ficar tipo JESSAICA!
- Hahahaha
- Com quem você tá falando?
- Ninguém. Olha só, então
fazemos assim, deixamos teu nome com Y, mas tem de ser Indiana. Pode ser?
- E daí eu vou ter um apelido
tipo assim, Indy?
- Of course, Indiana.
Rimos. Estávamos nos
divertindo pela primeira vez desde que ela chegou no escritório. Acho que ela
pelo menos está gostando de estar ali, viva. De fato, acho que ela queria
viver.
- Mas é o seguinte,
vai ser Indiana e Indy, ok?
- Tá, pode ser, acho
que Indy vai ser legal.
- Tá com fome?
- Nossa, muita, nem me liguei que não como nada desde ontem.
- Então vamos descer
ali no Bar do Tony. Ele vai ajudar a cuidar de você. Ele é mais um em quem você vai poder confiar. Você vai gostar. Ele é um cara legal e faz o melhor rango da cidade.
- Massa, Linhares!
Ela me abraçou. Demonstraçoes
de afeto nesse ramo são coisas meio inóspitas e impróprias, mas eu aceitei o
abraço e descemos. Ela vai ter de aprender algumas coisas pra se defender
sozinha.
(esse conto ainda não tem continuação, porque ele é hoje de manhã)
Gostei man! Indy padawan de detetive! Gostei da forma deste conto, sem tantas vozes (e com menos itálicos) ficou mais limpo e fluiu muito bem!! E com o Linhaça narrando em 1ª pessoa. Escreve a continuação e agita a vida dessa guria! Heheheh
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